A LER/DORT e o Seguro de Vida

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Introdução

Por falta de informação, muitos deixam de usufruir de um importante e valioso direito. Trata-se da possibilidade daqueles que sofrem com a conhecida “LER/DORT” receberem a indenização do seguro de vida.

Por isso, trago alguns esclarecimentos sobre o tema.

1. Será que tenho “seguro de vida” e não sei?

Muitas pessoas não sabem nem mesmo se possuem uma apólice de seguro e ainda se surpreendem quando descobrem que são beneficiários de uma com valor bem expressivo.

Nota-se que quando a contratação do seguro é realizada por meio de um corretor credenciado ou de uma agência bancária, geralmente a existência da apólice é conhecida e até se tem alguma noção de suas coberturas básicas.

Porém, pasmem, mas em muitos casos as pessoas são totalmente alheias até mesmo acerca da própria existência do seguro. Isso ocorre com frequência nas apólices em grupo, nos coletivos e nos prestamistas.

Para simplificar, explico que os seguros em grupo são os contratados pelos empregadores em favor de seus empregados. Já os coletivos são os contratados por associações, cooperativas, etc., em favor de seus associados e cooperados, enquanto que os seguros prestamistas são os vinculados a algum contrato de financiamento e com o objetivo de quitar a dívida em caso de invalidez ou morte. 

Vale destacar que algumas empresas varejistas (supermercados, eletrodomésticos, etc.), quando vendem para seus clientes por meio crediário, incluem também um seguro que não é necessariamente prestamista (ou seja, para quitar a dívida), mas um seguro “normal”, com coberturas para morte e invalidez.

Como exemplo de apólices em grupo, os empregados das instituições bancárias geralmente possuem seguro (Bradesco, Itaú, etc.) e em quantia elevada. De semelhante modo, os militares das Forças Armadas e, ainda, vários integrantes de determinadas carreiras do serviço público são beneficiários de apólice coletiva, por terem aderido a algum seguro estipulado por suas respectivas associações ou sindicatos. 

O que se ressalta é que vários trabalhadores possuem seguro de vida e não sabem ou se esqueceram.

2. O que exatamente é a LER/DORT?

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, segundo o estudo Saúde Brasil, realizado em 2018 pelo Ministério da Saúde e divulgado em 2019, as doenças enquadradas como LER/DORT são as que mais afetam os trabalhadores brasileiros, sendo mais comuns entre as mulheres (51,7%)[1].

Importante alertar que não se encontrará o nome “LER/DORT” em exames laboratoriais ou mesmo em laudos médicos, porque se refere a toda uma variedade de distúrbios que afetam os tecidos osteomusculares.

Nos documentos médicos (exames, laudos, etc.), geralmente a LER/DORT aparece com os seguintes diagnósticos:

  • Tendinite, tendinopatia, tendinose;
  • Bursite;
  • Síndrome do túnel do carpo;
  • Epicondilite;
  • Tenossinovite;
  • Monoparesia;
  • Ruptura total ou parcial de tendão;
  • Dedo em gatilho;
  • Síndrome do desfiladeiro torácico;
  • Síndrome do pronador redondo;
  • Mialgias, etc.

Esses são apenas alguns exemplos.

Normalmente, essas patologias decorrem do uso excessivo de determinada parte do corpo, em posição não ergonômica e sem o necessário tempo para descanso.

Seus sintomas costumam ser dor, queimação, fadiga, perda de força, formigamento, diminuição na amplitude dos movimentos, entre outros.

As partes mais afetadas são os ombros, os cotovelos e os punhos. Apesar disso, dependendo da especificidade da atividade profissional desempenhada, ela pode surgir em locais diferentes. Por exemplo, há muitos policiais com problemas no dedo indicador, por causa dos exercícios de tiro.

De modo geral, as profissões que exigem muita digitação e outros movimentos repetitivos (bancários, indústrias, caixas, telemarketing, etc.) costumam favorecer o aparecimento dessas lesões. 

Necessário reconhecer que, às vezes, o trabalho não é a única causa para o surgimento da LER/DORT. Contudo, a prática laboral age, pelo menos, como concausa, contribuindo tanto para o surgimento como para o agravamento.

Considerando que geralmente as pessoas continuam trabalhando mesmo sentindo dores, as lesões tendem a se tornarem crônicas e, ainda que haja períodos de relativa melhora, quando submetidas até mesmo a poucos movimentos, as inflamações e dores facilmente reaparecem. É como se as “fibras” dos tendões perdessem a resistência. Em episódios mais graves, há até a ruptura total ou parcial dos tecidos e tendões.

Infelizmente, quase sempre há reflexos negativos na vida laborativa, pois permanecem as dificuldades para o trabalho.

Apesar dessas limitações não implicarem em invalidez “total”, elas tornam mais difíceis e dolorosas algumas atividades que eram simples. Segurar objetos, pentear o cabelo, segurar uma criança no colo, lavar louças, digitar e dirigir passam a causar algum nível de dor e, por isso, as vítimas acabam até mesmo a, inconscientemente, sobrecarregar outras partes do corpo, num esforço compensatório. No direito, falamos que há uma “invalidez parcial”.

3. Foi diagnosticada a LER/DORT, posso receber o seguro?

Pois bem, uma vez confirmada a presença da LER/DORT e a existência de uma apólice de seguro, convém investigar a possibilidade de receber a cobertura por “invalidez permanente por acidente”.

Tentar receber a indenização securitária diretamente na seguradora é perda de tempo, uma vez que enquadram a LER/DORT como uma doença e, assim, a pessoa teria que estar totalmente inválida, pois as apólices não preveem cobertura para “invalidez parcial por doença”, apenas para “invalidez total por doença”.

Então, o caminho é o Poder Judiciário, onde são utilizados alguns argumentos:

  • Que a LER/DORT é um acidente de trabalho (microtraumas, esforço repetitivo) e, por isso, enquadra-se no conceito de acidente pessoal;
  • Que eventual cláusula excluindo “doenças profissionais” é nula, visto que contraria a essência do seguro (principalmente se é apólice em grupo contratado pelo empregador em favor de seus trabalhadores) e também, porque não foi dado prévio conhecimento dessa restrição ao consumidor/segurado e;
  • Para receber a quantia integral do seguro, argumenta-se que eventuais tabelas utilizadas para reduzir o valor da indenização são nulas, pois delas o consumidor não teve conhecimento prévio à contratação. Assim, essa redução precisa ser afastada ou, pelo menos, deve-se receber a quantia proporcional ao grau de invalidez em relação à profissão desempenhada e não segundo os critérios das tabelas.

Importa ressaltar que a viabilidade jurídica dessa discussão costuma variar de um Estado para outro. Em alguns Estados os tribunais são mais favoráveis em relação à proteção dos consumidores, o que não acontece em outros.

Além disso, é de grande relevância fazer um estudo detalhado da apólice contratada e do certificado de seguro efetivamente entregue ao consumidor. Às vezes, diante de uma determinada apólice, um tribunal pode negar um pedido de indenização (ou então fixar o pagamento de um valor parcial), enquanto que frente a outra apólice (de outra seguradora) o julgamento pode ser de condenação ao pagamento da indenização securitária, inclusive de forma integral. 

Isso acontece porque cada seguradora tem uma certa liberdade (respeitados alguns padrões da SUSEP) para elaborar sua própria apólice e seu certificado, quando então utilizam expressões diferentes, as quais levam a interpretações e conclusões também distintas.

Apesar disso, vale realçar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento bastante coerente no sentido de incluir as lesões dos microtraumas decorrentes dos esforços repetitivos (que causam a LER/DORT) no conceito de “acidente pessoal” para fins de recebimento do seguro por invalidez. Contudo, às vezes o processo termina no Tribunal de Segunda Instância (nos Estados) porque o STJ decide não julgar a questão sob o fundamento de que se trata de análise de contrato, o que seria inviável naquela Corte Especial.

Diante desse cenário, para ter uma prévia das chances de êxito da demanda, sempre é indicado realizar um estudo tanto da apólice como do certificado de seguro, e também da jurisprudência do respectivo Estado, a fim de observar se há uma tendência de proteção ao consumidor, ou não.

Conclusão

Enfim, para quem possui seguro de vida (com cobertura para invalidez permanente por acidente) e padece com a LER/DORT, é imprescindível que procure um advogado com conhecimento do assunto, a fim de mensurar as probabilidades de procedência de eventual ação judicial e traçar a estratégia processual adequada.


[1] Brasil. Saúde Brasil 2018: uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2019.


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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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