Promoção em ressarcimento de preterição dos militares das Forças Armadas

Uma das grandes insatisfações dos militares das Forças Armadas é com relação a forma como são realizadas as promoções, tanto por antiguidade como por mérito. Não é sem motivo, aliás, que William Shakespeare certa vez disse: “Esta é a praga do serviço militar; as promoções acontecem por recomendação e por simpatia, e não pela velha graduação, em que sempre o segundo herda o posto do primeiro” (Otelo, O Mouro Veneza).

Poesia à parte, trata-se de uma questão quase matemática, pois a medida em que se atinge graduações e postos mais elevados, mais estreito é o “funil” e menos militares conseguem atingir posições mais altas. Então, parte dos que ficam de fora externam sua insatisfação buscando as vias judiciais.

Infelizmente precisamos informar que são raras as decisões judiciais em que se consegue êxito na promoção em ressarcimento de preterição. Aliás, parafraseando o parágrafo 1º do artigo 60 da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), apenas em casos “extraordinários”.

Mas se a promoção em ressarcimento de preterição está expressamente prevista nas diversas normas que regem as promoções dos militares das Forças Armadas (são muitas), porque ainda assim é tão difícil consegui-la?

Entenda o seguinte: em regra, esse tipo de promoção não é para acontecer. Somente em casos, como diz a lei, “extraordinários”, tanto que nem depende de vaga, o que já demonstra que só deve ser efetivada em caso de falha no sistema.

O Regulamento de Promoção de Graduados do Exército (R-196), aprovado pelo Decreto 4.853/2003, no artigo 37 elenca as hipóteses em que haverá o ressarcimento da preterição na promoção, até mesmo dizendo que nem sequer precisa estar no QA (Quadro de Acesso).

Art. 37.  O graduado é ressarcido da preterição, desde que comprovado o seu direito à promoção, quando:

        I – tiver solução favorável a recurso interposto;

       II – cessar sua situação de prisioneiro de guerra, desaparecido ou extraviado;

        III – for absolvido, em sentença transitada em julgado, ou impronunciado no processo a que tiver respondido;

        IV – for julgado e considerado isento de culpa em conselho de disciplina; ou

        V – tiver ocorrido comprovado ERRO ADMINISTRATIVO.

        § 1°  Para a promoção de que trata o caput deste artigo, fica dispensada a exigência da inclusão em QA.

        § 2°  A promoção em ressarcimento de preterição tem vigência a partir da data em que o graduado tiver sido preterido.

        § 3°  O graduado promovido por ressarcimento de preterição é reposicionado no Almanaque de Oficiais e Praças, respeitada a sua antigüidade na data de promoção.

Apenas ressalvamos que o artigo 18 da Lei 5.821/72, que trata da promoção dos oficiais das Forças Armadas, prevê na alínea “e” algo semelhante: “tiver sido prejudicado por comprovado erro administrativo”.

Mas, voltando ao R-196, de todas as hipóteses, a mais frequente é a do item III (“absolvido…”), sendo que muitos militares beneficiados pela extinção da punibilidade decorrente da prescrição tentam se beneficiar, desse dispositivo. Falarei mais sobre esse sub-tema em outra oportunidade.

Mas, sem dúvidas, o mais frequente é o caso do item V: “tiver ocorrido comprovado erro administrativo”.

É nisso que reside o problema.

As reclamações geralmente chegam da seguinte forma: “fui preterido por um militar mais moderno do que eu” ou “estive sempre nos quadros de acesso e com todos os requisitos preenchidos, mas sempre preterido”.

Contudo, é infrutífero alegar insatisfação geral com os critérios ou com o resultado da promoção, é imperioso comprovar onde efetivamente ocorreu o ERRO ADMINISTRATIVO.

Algo frequentemente alegado e igualmente pouco frutífero é a insatisfação com as notas recebidas pelas respectivas Comissões de Promoções, especialmente nos casos de promoção por merecimento.

Até nos convencemos que em muitas situações parece ser nítido um favorecimento e, automaticamente, uma preterição, com notas exageradamente altas ou baixas, favorecendo militares com menos tempo e prejudicando aqueles que estão há anos esperando a promoção.

Contudo, as notas são atribuídas de modo subjetivo e, repitimos, infelizmente, é quase impossível demonstrar que houve abuso, perseguição, favorecimento ou qualquer outra situação apta a macular a atribuição da nota.

Existe firme jurisprudência no sentido de que o Poder Judiciário não pode adentrar na análise do mérito do ato administrativo, mas apenas interferir quando houver ofensa aos princípios constitucionais, como os da legalidade ou da pessoalidade:

(…) IV – O controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos diz respeito ao seu amplo aspecto de obediência aos postulados formais e materiais presentes na Carta Magna, sem, contudo, adentrar no mérito administrativo. Para tanto, a parte dita prejudicada deve demonstrar, de forma concreta, a mencionada ofensa aos referidos princípios. (…) (AgInt no RMS 52.008/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 09/12/2019)

Já nas reclamações relacionadas às promoções por antiguidade, onde se leva em conta a precedência hierárquica sobre os demais de igual posto, é comum fazerem comparação e quererem indicar como paradigma militares que integram outro Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, em total desatenção às normas que regulamentam o assunto. Alguém que faz parte do Corpo de Praças da Armada (CPA), não deve querer ter precedência hierárquica sobre um colega militar do Corpo Auxiliar de Praças (CAP).

Fazemos essas exemplificações apenas para evidenciar o caráter extraordinário que há nas situações em que é possível, de fato, a promoção em ressarcimento de preterição. Na maioria dos casos, é imperioso demonstrar documentalmente qual foi o erro administrativo. Situações subjetivas, apesar de às vezes realmente parecer uma perseguição ou um favorecimento, dificilmente são comprováveis.

Assim, a orientação sempre repetida é a mesma: fique atento a todas as normas aplicáveis naquele momento (pois mudam com frequência) e procure se resguardar com prova documental de qualquer situação, inclusive de irregularidade formal ou material, que possa ser prejudicial, para que, se houver a preterição, possa ser estudado o caso de propor ação judicial e se há, de fato, chances de êxito.

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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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