Direito das vítimas de Acidente de Trânsito: Indenizações (I)

Os números envolvendo acidentes de trânsito no Brasil são alarmantes. Segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde, em 2018 um milhão trezentos e cinquenta mil (1.350.000) pessoas morreram vítimas do trânsito em todo o mundo. No Brasil, a cada quinze minutos uma vida é ceifada e nos últimos dez anos foram um milhão e seiscentos mil feridos (1.600.000). Por trás dessas estatísticas estão sonhos, famílias, carreiras e projetos destruídos.

Para ajudar minimizar esse sofrimento, pretendo trazer um pouco de orientação jurídica à essas pessoas.

No decorrer das próximas semanas, quero abordar quatro direitos básicos que as vítimas de acidentes de trânsito precisam saber:

  • Indenização a ser paga pelo culpado ou responsável pelo acidente;
  • INSS;
  • DPVAT;
  • Seguro contratado em grupo ou individualmente;

1. INDENIZAÇÃO A SER PAGA PELO CULPADO OU PELO RESPONSÁVEL PELO ACIDENTE

1.1. De quem foi a culpa?

Quando ocorre um acidente, além de todo o cuidado com a saúde da vítima, um dos primeiros pontos a ser analisado é com relação a culpa e a responsabilidade pelo acidente.

Às vezes, o mais prejudicado (por exemplo, a pessoa que sofre alguma fratura óssea) foi o próprio culpado pelo acidente, situação na qual nada poderá exigir dos outros envolvidos.

Entretanto, em diversas circunstâncias, a culpa pode ser de outra pessoa, como por exemplo: motorista que desrespeita placa de “Pare”; motorista que desrespeita semáforo “vermelho”; motorista que, em cruzamento não sinalizado, deixa de dar a preferência para quem vem à direita; motorista que deixa de dar a preferência para quem já está em circulação em rotatória; motorista que muda de faixa de rolamento de inopino e sem sinalizar; pedestre atropelado na faixa de pedestre; queda de motocicleta ocasionada por buraco na pista; queda de motocicleta ocasionada por quebra molas sem sinalização.

São inúmeras as maneiras como um acidente pode acontecer e, por isso, cada caso deve ser analisado com bastante cuidado.

1.2. Quem vai pagar a indenização?

A regra é que o culpado pelo acidente é quem pagará a indenização. Entretanto, se ele possui seguro em seu veículo, a seguradora será a responsável pelos pagamentos até o limite das coberturas contratadas.

Também chamo a atenção para o fato de que não apenas o condutor, quando culpado, é responsável por pagar as indenizações, mas também o proprietário do veículo pode ser responsabilizado. Isso acontece com frequência quando alguém empresta o carro para outra pessoa e ela causa um acidente. De igual forma, se o condutor era empregado e estava realizando algum serviço, a responsabilidade pode recair sobre a empregadora.

Então, acontecendo o acidente por culpa ou por responsabilidade de outra pessoa, cabe à “vítima” (refiro-me a pessoa que sofreu lesões físicas e psicológicas) ser indenizada.

1.3. Quais indenizações a vítima pode receber do culpado/responsável pelo acidente?

Pois bem, vamos adentrar nos direitos propriamente ditos.

Para ficar fácil de entender, costumo dizer que a indenização envolve basicamente os seguintes direitos: 1) indenização pelos danos morais sofridos; 2) ressarcimento por quaisquer despesas que teve; 3) indenização por aquilo que deixou de ganhar. Vou explicar um pouco sobre cada um.

1.3.1. Danos morais

Aqui a ideia é que a vítima do acidente de trânsito receba um valor em dinheiro para tentar compensar ou pelo menos aliviar todo o sofrimento decorrente da dor física e psicológica que suportou não apenas com o próprio acidente em si mesmo, mas com o tempo que permaneceu no hospital, o tempo que permaneceu em casa.

Nos danos morais, inclui-se toda a angústia de não saber se voltaria a ter a mesma vida que tinha antes do acidente. Se quando voltasse ao trabalho teria o mesmo “espaço” de antes. Se seria aceito pelo círculo social com eventuais sequelas funcionais (que atrapalham as atividades do dia a dia) ou mesmo estéticas.

O valor da indenização pelos danos morais é determinado pelo juiz e não é tarefa fácil, porque colocar um “valor” no sofrimento alheio é bastante complicado. Na prática, contudo, existe quase um “tabelamento”, isto é, valores que normalmente são fixados.

Por exemplo, num acidente em que há uma lesão temporária, é comum arbitrar quantia entre R$ 15.000,00 e R$ 30.000,00. Quando há sequela permanente, costuma variar entre R$ 30.000,00 e R$ 200.000,00. Quando há morte, os familiares costumam receber entre R$ 70.000,00 e R$ 200.000,00.

Estou apresentando apenas uma média do valor, mas deixo bastante claro que há situações que variam para mais ou para menos. Cada caso é uma realidade.

A dica aqui é que a vítima do acidente forneça para seu advogado o máximo de detalhes e elementos possíveis para que ele descreva no processo e possa, com isso, justificar ao juiz e este possa determinar o pagamento de um valor maior, se for o caso.

1.3.2. Ressarcimento de todos os gastos

O nome correto para esse “ressarcimento” é “indenização pelos danos materiais” ou mesmo “pelos danos emergentes”. Na prática, podemos dizer que é um ressarcimento.

Esse ressarcimento envolve todos os prejuízos materiais que a vítima teve, por exemplo: conserto do veículo, da motocicleta ou da bicicleta; despesas com remédios, consultas com médicos, psicólogos e terapeutas; cirurgias; locomoção, hospedagens, viagens etc.

Chamo atenção para o fato de que, ao contrário dos danos morais, aqui o juiz não vai “aleatoriamente” fixar o valor. Ele costuma determinar o pagamento na quantia exata daquilo que for comprovado. Por isso, fundamental apresentar recibos e notas fiscais, para não haver dúvidas.

É muito importante que fique claramente demonstrado que aquela despesa se relaciona diretamente com o acidente, que é uma consequência exclusivamente do acidente e que ela foi necessária. Por exemplo, no caso do pedido de ressarcimento de gastos com locomoção (avião, ônibus, táxi, van etc.), às vezes não é possível identificar no comprovante do pagamento que aquele transporte foi usado por causa do acidente, ou seja, para ir da residência até o médico ou hospital. Isso precisa ser demonstrado.

Interessante notar, ainda, que nos casos em que a vítima tem seguro contratado, as vezes ela é ressarcida num valor inferior ao real, por exemplo, num caso de perda total do veículo acaba recebendo segundo a “tabela Fipe”. Nessa hipótese, o prejudicado por demonstrar que em sua cidade o veículo tinha valor de mercado superior e pedir a diferença. Noutras vezes, o prejuízo foi com a perda de “bônus” perante a seguradora, fazendo com que a renovação do seguro ficasse mais cara. Se restar bem demonstrado, é possível receber a diferença.

Enfim, são inúmeras as possíveis situações de ressarcimento. Espero que tenha ficado clara a necessidade de comprovar exatamente o valor do prejuízo, pois dificilmente um juiz determinará uma quantia por “estimativa”.

1.3.2.1. “Liminar” para cirurgia

Um questionamento frequente é com relação a “liminar para realização de cirurgia”.

Quando a vítima (refiro-me à pessoa que não foi culpada pelo acidente) precisa ser submetida a uma cirurgia em decorrência do acidente, ela não é obrigada a esperar na “fila do SUS”. Além do mais, geralmente quanto mais rápido a cirurgia melhor a recuperação. Também ocorre de os materiais indicados para uma boa recuperação não serem disponibilizados pela rede pública.

Enfim, não importa o motivo. A vítima não é obrigada a fazer o tratamento pelo SUS.

Portanto, quando a culpa pelo acidente é bastante evidente (por exemplo: desrespeitar placa de “Pare”) e existe documentação comprovando a real necessidade de a cirurgia ser realizada imediatamente, é possível pedir judicialmente que o culpado ou o responsável pelo acidente antecipe as despesas com o tratamento cirúrgico.

1.3.3. Indenização por aquilo que deixou de ganhar (pensão)

Aqui o nome técnico é indenização pelos “lucros cessantes”. Algumas vezes esse é o valor mais alto dentro do processo em que se pede as indenizações e é onde costuma haver maior dificuldade para determinar a quantia devida.

Quando se trata de alguém que trabalha como empregado, segue-se basicamente duas regras:

  • Durante o período em que permaneceu sem poder trabalhar, a vítima terá direito a um valor igual ao de seu salário;
  • Se após terminar o tratamento ficar com alguma sequela permanente que cause limitação para o trabalho, terá direito a uma pensão permanente (vitalícia) no valor proporcional à limitação.

Costuma ser feita uma perícia médica judicial onde o perito escolhido pelo juiz avaliará se teve lesões; quanto tempo foi necessário para o tratamento; se houve sequelas; se são permanentes; e quais são as limitações para o trabalho e para os atos da vida em geral.

Imaginemos um caso em que o perito afirme que a vítima ficou oito meses sem trabalhar e que após esse período ele conseguiu voltar ao trabalho, porém com limitação de 20% (bem comum em casos de fratura no joelho, no pé e em outras articulações). Nessa hipótese, a vítima terá direito a uma pensão de valor igual ao seu salário durante oito meses e depois uma pensão vitalícia proporcional a 20% de seu salário.

Destaco o fato de que o Código Civil permite que, se a vítima quiser (ela é quem escolhe), ao invés de receber a pensão mensalmente, ela pode pedir que o juiz determine um valor único e determine que o responsável pelo acidente pague em parcela única. Nesses casos, geralmente o juiz calcula o valor total que a vítima receberia, isto é, soma todas as parcelas mensais, e aplica um redutor (10 a 40%, dependendo do juiz).

Vou novamente exemplificar. Se o trabalhador vítima do acidente tem salário de R$ 3.000,00 por mês. Pelos oitos meses sem trabalhar, receberá R$ 24.000,00. Depois poderá receber, se a limitação permanente é de 20%, o valor mensal de R$ 600,00 até o final de sua vida.

Se quiser receber em parcela única, o cálculo é mais ou menos assim: se tiver, por exemplo, 25 anos de idade e considerando uma expectativa de vida de 77 anos de idade, então receberia pensão mensal durante 52 anos ou 676 meses (com décimo terceiro – 13×52). O valor total seria de R$ 405.600,00. Aplicando-se um redutor de, por exemplo, 30% (pois receberá de “uma vez” aquilo que demoraria mais de cinquenta anos…), teria o valor de R$ 283.920,00. Somando-se aos oito meses que ficou completamente sem trabalhar, chegamos a quantia de R$ 307.920,00, como indenização pelos lucros cessantes, isto é, por aquilo que “deixou de ganhar”.

Ressalto que existe divergência nas decisões judiciais quando o trabalhador recebe benefício do INSS (ou de qualquer outro instituto de previdência) por conta do acidente (auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez) e continua tendo direito a pensão paga também pelo causador do acidente. Alguns juízes abatem o valor do benefício do INSS. Felizmente é uma minoria que decide dessa forma, pois essa compensação acaba fazendo com o que o responsável pelo acidente se beneficie por algo que não foi ele quem pagou (as contribuições do INSS foram pagas pelo trabalhador e pelo respectivo empregador). Além do mais, o Código Civil determina que “o ofensor” pagará essa indenização, pois é também uma punição e quando se abate o valor do benefício previdenciário, acaba não sendo ele quem está literalmente “pagando”.

Enfim, há também situação de vítimas que trabalham como empresárias, como autônomos, em dois empregos (um “registrado” e outro não) ou de várias outras maneiras. Nesses casos, também existe o direito a essa pensão, mas é muito importante ter o cuidado de deixar bem demonstrado o valor total que costuma ganhar mensalmente, se não tiver essa atenção, o juiz vai considerar como base um salário mínimo.

Pessoas que estejam sem renda no momento do acidente (desempregados, menores de idade etc.) também possuem esse direito, mas será usado como base um salário mínimo mensal, como se essa fosse sua renda e a partir do salário mínimo é que serão feitos os cálculos e as proporções.

1.4. Cuidado ao fazer “acordo” com o causador do acidente

Logo que acontece um acidente, a orientação que o culpado costuma receber é de tentar fazer um “acordo” (coloco entre “aspas” porque entendo que não é acordo, pois apenas a vítima costuma abrir mão de direitos…) com a vítima ou com seus familiares, por isso, chamo muita atenção para esse crucial momento.

Principalmente nos casos em que há danos físicos que podem deixar sequelas (fraturas de articulações, como o joelho, por exemplo), é muito difícil para a vítima conseguir mensurar (medir) quais serão as verdadeiras consequências para sua vida.

Às vezes, por exemplo, parece uma simples dor no joelho, mas ao realizar tratamento mais aprofundado e com especialista, descobre (com ressonância magnética) que houve rompimento dos ligamentos. Isso pode gerar severas limitações tanto para o trabalho como para a vida pessoal.

Noutros momentos, uma fratura óssea que aparentemente exigirá apenas esperar o “osso colar” pode ser o início de grande sofrimento por conta de infecções etc.

Enfim, meu objetivo é alertar a vítima para que tenha muito cuidado nesse momento e, de preferência, para não realizar qualquer acordo sem estar acompanhada de um advogado de sua própria confiança.

É muito grande a tentação em aceitar valores que até podem parecer vantajosos no início, quando está sem receber do INSS, com contas a pagar, com dificuldades até alimentares, por isso, muitos culpados se aproveitam desse momento de fragilidade para realizar um apressado acordo e evitar um processo judicial em que pode ser condenado em valores muito superiores.

Porém, se a vítima fez o “acordo” extrajudicial, em alguns casos ainda é possível pedir judicialmente eventuais diferenças, mas isso deve ser analisado com muita atenção, verificando-se os termos que foram utilizados no tal “acordo”. Na maioria das vezes, nada mais há a ser feito com relação as indenizações em face do culpado pelo acidente.

1.5. Dicas finais sobre a indenização a ser paga pelo culpado pelo acidente

Antes de finalizar esse assunto das indenizações, preciso chamar atenção para a importância de a vítima garantir o máximo possível de provas que possam ser úteis num eventual processo judicial. Infelizmente, há casos em que até existe o direito a determinada indenização, porém como não existem provas suficientes, acaba ficando inviabilizada qualquer ação judicial.

Com relação as provas das lesões sofridas com o acidente, é importante guardar toda documentação médica (atestados, laudos, declarações, receitas, notas fiscais de gastos com remédios, transporte, medicamento etc.).

Porém, essas provas médicas costumam não ser problemáticas. As dificuldades, em sua maioria, residem na prova da dinâmica do acidente, isto é, como o acidente efetivamente aconteceu.

Nem sempre o boletim de ocorrência é detalhado o suficiente para servir de prova.

Costumam ser necessárias provas como:  testemunhas que presenciaram o acidente (não aquelas que “ficaram sabendo…” (sempre importante); fotografias e filmagens (por exemplo, quando a causa foi um buraco na pista, é fundamental ter fotos não apenas do buraco, mas de todo o local, para contextualizar); reportagens; mensagens trocadas com os envolvidos e com pessoas que presenciaram, entre outras provas.

Enfim, como já escrevi no começo, nesta oportunidade abordei apenas a questão da indenização que as vítimas de acidente de trânsito podem ter direito de receber, em decorrência da responsabilidade civil de quem foi o culpado ou responsável pelo acidente. Nas próximas semanas, abordarei os direitos dessas vítimas relacionados ao INSS, seguro obrigatório (DPVAT) e seguro contratado.

Assista o vídeo onde eu explico esse assunto:

Confira também o Podcast Compartilhando Justiça onde abordo esse tema:


Querido leitor,

Quer saber mais sobre acidentes de trânsito? Leia o meu livro “Acidente de trânsito – Direitos básicos na prática”

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Sobre o autor

Henrique Lima

Sobre o autor

Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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