Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, por ano são esperados 625 mil novos casos de câncer no Brasil. São 1.712 pessoas que recebem esse diagnóstico a cada dia. Entre os homens, o câncer de próstata é o mais comum (29,2%), e entre as mulheres é o de mama (29,7%). São números assustadores.
O diagnóstico de câncer implica em vários desdobramentos jurídicos e nesta ocasião quero abordar algo que costuma ser frequentemente perguntado pelos clientes: “o diagnóstico de câncer dá o direito de receber o seguro de vida?”
O mais comum são os “seguros de vida”, cujo nome correto é “seguro de pessoa”, possui coberturas básicas para os seguintes eventos: 1. Morte acidental; 2. Morte por doença; 3. Invalidez total por Doença e 4. Invalidez total ou parcial por acidente.
Mas há também seguros com coberturas específicas para “diagnóstico de câncer” e outros até voltados para o público feminino, cobrindo apenas o câncer de ovário, mama e útero.
O importante é ficar atento ao que está descrito no certificado do seguro, nas condições gerais e na apólice.
Infelizmente é comum o segurado só conhecer o que está na apólice quando enfrenta algum sinistro ou enfermidade, pede a indenização e recebe a resposta negativa da seguradora.
Pelo menos de modo geral, prevalece o entendimento de que aquilo que está expressamente excluído das apólices, costuma ser negado também na justiça, pois esta privilegia o que está efetivamente contratado.
Contudo, são frequentes situações em que tanto as coberturas como as exclusões não são claras e isso abre grandes chances de êxito perante o Poder Judiciário, pois o Código de Defesa do Consumidor prevê que ambiguidades, obscuridades e incertezas deverão ser interpretadas em favor do consumidor.
Vou exemplificar com algumas situações frequentes, porém, ao final, faço uma ressalva relevante.
a) Seguro com cobertura para “diagnóstico de câncer”
– Nesse tipo de seguro às vezes ocorre de a seguradora recusar o pagamento alegando que o câncer desenvolvido em determinada área não possui cobertura, mas sem nada expresso de forma clara na apólice, nas condições gerais ou no certificado do seguro. Evidentemente essa alegação é afastada pelo Poder Judiciário, que determina o pagamento da indenização securitária ao consumidor.
– Nesse tipo de seguro é importante ter um cuidado especial com o prazo de prescrição, que é de um ano. A contagem desse prazo se inicia com a data do diagnóstico. Às vezes acontece de o segurado apenas formalizar o requerimento após algum tempo de tratamento e até de cirurgias. Não tem problema, desde que não ultrapasse a data de um ano a contar do diagnóstico. Convém, também, guardar os comprovantes de que efetivou o pedido administrativo junto à seguradora.
b) Apólice com cobertura para “invalidez funcional permanente total”.
– O entendimento majoritário é o de que essa cobertura exige que o segurado esteja “quase vegetativo”, pois se fala em “perda da existência independente”, necessitando de terceiros para o dia a dia. Apenas situações de câncer em fase terminal, que logo evoluem para o óbito, é que possuem tamanha gravidade.
Para a maioria dos tribunais, não basta a invalidez para o trabalho, pois distinguem da cobertura para invalidez laborativa permanente total por doença. No entanto, é possível encontrar julgados bastante favoráveis ao consumidor, determinando o pagamento da indenização até mesmo sem o segurado ser aposentado por invalidez.
c) Apólice com cobertura apenas para “morte acidental” e “invalidez permanente por acidente”.
– Se não for contratada apólice com cobertura para “morte natural” e o segurado falecer em decorrência do câncer, os beneficiários não receberão a indenização securitária prevista.
d) Apólice com cobertura para apenas alguns tipos de câncer.
– Algumas apólices foram criadas para públicos específicos e, por isso, cobrem diagnóstico de câncer em apenas determinadas partes do corpo, por exemplo, seguro para mulheres com cobertura para câncer em útero, mama e ovário.
– Um dos problemas ocorre quando o câncer é diagnosticado primeiramente em uma parte do corpo que não é coberta pelo seguro e depois se “espalha” para outras que são.
Nesses casos, acontece de as seguradoras negarem cobertura dizendo que o diagnóstico “primário” do câncer não foi nos locais com cobertura. Contudo, os tribunais costumam rejeitar essa alegação e determinar o pagamento, por entenderem ser abusiva a justificativa e porque a cláusula não é clara em explicar sobre diagnóstico primário, secundário, etc.
– Outro problema é quando o seguro é voltado para o público feminino, mas possui cobertura apenas para câncer na mama e no cólo de útero, ou seja, sem previsão para câncer no ovário, placenta, etc. Nesses casos, é comum os tribunais considerem abusiva a cláusula e determinar o pagamento da indenização.
– Ainda na hipótese anterior, de seguro para mulheres, às vezes a informação de que cobre apenas câncer na mama e no útero não está clara, mas a seguradora alega que as (poucas) perguntas feitas no questionário já seriam suficientes para demostrar que essa limitação de cobertura estaria explícita. Os tribunais costumam afastar esse argumento e condenar ao pagamento contratado.
e) Carcinoma “in situ”.
– Algumas apólices excluem os estágios iniciais de carcinoma, em que é considerado não invasivo ou “in situ”, noutras vezes a apólice nem trata disso expressamente, mas a seguradora nega a cobertura mesmo assim.
Se essa exclusão realmente estiver na apólice, existem tribunais que consideram ser uma cláusula abusiva e desproporcional e determinam o pagamento da indenização.
f) Seguradora que não apresenta a apólice.
– Se existe alguma cláusula limitativa de direitos e que exclui riscos, é dever da seguradora apresentá-la no processo, mas, não raras vezes, acontece de o contrato de seguro assinado, com a respectiva apólice, não ser apresentado. Com isso, os tribunais costumam afastar qualquer alegação de risco excluído, diante da omissão da seguradora em apresentar esses documentos.
g) O consumidor deixou de pagar o seguro, mas o diagnóstico ocorreu quando era segurado.
– Para apurar se há o direito ao seguro, a data relevante é a do diagnóstico da enfermidade (no caso, do câncer). Então, mesmo que o segurado não tenha renovado o seguro, isso não impede de receber a indenização contratada à época do diagnóstico.
h) Câncer diagnosticado no prazo de carência.
– Quando o consumidor é previamente informado sobre a existência de carência e o diagnóstico da doença ocorre antes do fim da carência, os tribunais costumam entender que não há o direito à indenização.
i) Câncer preexistente.
– Em outras enfermidades a data do diagnóstico pode ser menos precisa (cardiopatia, tendinites, coluna, etc.), mas no caso do câncer exames laboratoriais costumam eliminar dúvidas. Assim, os tribunais costumam entender que age de má fé a pessoa que já recebeu esse diagnóstico e mesmo assim faz um seguro com essa cobertura.
Por outro lado, meros sintomas, sem um diagnóstico preciso, não caracterizam má-fé do segurado.
Diante das situações que exemplifiquei acima, convém observar que não fui categórico em afirmar que em determinado caso os tribunais sempre condenam ou sempre absolvem as seguradoras.
Fiz assim porque é apenas analisando a proposta, o certificado e a apólice com as condições gerais do seguro é que conseguimos ter uma ideia melhor acerca da probabilidade de êxito de uma específica demanda. Às vezes a jurisprudência pode até ser contrária a alguma tese, mas no caso concreto, diante da análise desses documentos, pode-se concluir o contrário, por causa de obscuridade na redação da cláusula ou pela falta de prévio conhecimento.
Assim, o ideal é que todos que tiverem pedido de indenização do seguro recusado procurem orientação com advogado, a fim de analisar se diante das especificidades do caso concreto, da proposta do seguro, do certificado e da apólice efetivamente esclarecida ao consumidor, é o caso de ingressar com pedido na esfera judicial. Nessa tarefa, também relevante verificar os julgamentos semelhantes já realizados no Tribunal de Justiça do Estado onde a ação será proposta.
Veja o vídeo que preparei sobre o assunto:
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