Horas extras para servidores públicos

Um direito constitucional frequentemente desrespeitado no caso dos servidores públicos é a garantia ao recebimento de horas extras, inclusive com o adicional de pelo menos 50%. Ele está previsto no inciso XVI, do artigo 7º da Constituição Federal (CF): “a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;”.

No artigo 39 da própria CF, que trata dos servidores públicos, no parágrafo terceiro está expresso que esse direito se aplica aos servidores: “aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir”.

Importante considerar que o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou que se trata uma norma autoaplicável, ou seja, que não precisa de legislação específica nos Estados ou nos municípios para que os servidores públicos tenham direito. Vejamos trecho dessa decisão:

O art. 7º, inciso XVI, da Constituição Federal, que cuida do direito dos trabalhadores urbanos e rurais à remuneração pelo serviço extraordinário com acréscimo de, no mínimo, 50%, aplica-se imediatamente aos servidores públicos, por consistir em norma autoaplicável. (AI 642528 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 25.09.2012)

Ou seja, o direito que os servidores públicos possuem ao recebimento de horas extras, com adicional de pelo menos 50%, está previsto na Constituição Federal e, ao contrário do que os entes públicos defendem em suas defesas judiciais, não há necessidade de lei estadual ou municipal “confirmando” ou regulamentando esse direito. Ele é autoaplicável.

Para negar o pagamento das horas extras trabalhadas aos seus servidores, a Administração Público costuma tentar se esquivar alegando ausência de prévia autorização da chefia. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça já definiu que “ausência de prévia autorização para realizar jornada extraordinária não afasta o direito do servidor de receber pelas horas trabalhadas” (REsp 1956766 BA).

Quanto a esse aspecto, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul segue a mesma linha do STJ ao asseverar que “a falta de requerimento administrativo da servidora para realização do serviço extraordinário, ao contrário do alegado pelo Estado, não afasta o direito à remuneração pelas horas efetivamente trabalhadas” (TJMS, Ap. Cível 0800718-94.2023.8.12.0018). No Tribunal de Justiça de Minas Gerais a orientação é de que “a ausência de prévia autorização expressa da Administração Pública não pode servir de escusa à indenização das horas extras laboradas, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado, vez que o serviço foi devidamente prestado”. (TJMG, AC 50111474820238130145). Em outros tribunais, existem decisões no mesmo sentido.

Para os servidores que trabalham em regime de escala, convém observar que não se trata de pedir horas extras ou o adicional pelas horas trabalhadas dentro dos limites das respectivas escalas, por exemplo, de 12×36, pois o STF já considerou constitucionais essas jornadas, mas para o servidor que efetivamente trabalhou além do limite mensal (200h) estabelecido há o direito às horas extraordinárias, pois os vencimentos que recebem foi para remunerar uma quantidade previamente estabelecida de horas. Do contrário, haveria o enriquecimento sem causa do Poder Público.

Por fim, ressalto que esse direito existe também para os servidores públicos que recebem por meio de subsídio (“parcela única”), pois em 06.03.2023 o plenário do STF firmou a seguinte tese: “O regime de subsídio não é compatível com a percepção de outras parcelas inerentes ao exercício do cargo, mas não afasta o direito à retribuição pelas horas extras realizadas que ultrapassem a quantidade remunerada pela parcela única”. (ADI 5404-DF)

Enfim, espero ter alertado os servidores públicos efetivos acerca da importância desse direito e de lutar por ele. Evidente que o sucesso das ações judiciais que buscam o recebimento dessas horas extras depende de qualidade e da robustez das provas documentais e testemunhais. Mas, com habilidade e zelo, é possível um bom e justo resultado, porque não deve ser tolerável que o servidor público dedique mais horas de sua vida em benefício do Poder Público, sem que receba a devida contraprestação em dinheiro.

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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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