No ano de 2016 o Supremo Tribunal Federal corrigiu uma injustiça que era praticada contra muitos empresários, contudo, por falta de conhecimento, vários continuam deixando de exercer o importante direito que vou explicar abaixo.
Trata-se da possibilidade de pedir a restituição (ou a compensação tributária) do ICMS que foi pago em regime de substituição tributária (“para frente”), mas cuja operação (fato gerador) se efetivou em valor inferior ao presumido.
Em outras palavras, seja por pauta fiscal ou por margem de valor agregado (MVA), também conhecido por IVA (índice de valor adicionado) em alguns Estados, às vezes acontece de ser atribuído a uma mercadoria um valor superior ao qual ela acaba sendo comercializada, restando o direito de o comerciante ser restituído acerca das diferenças.
Imagine uma situação em que foi atribuído o valor de R$ 4,10 ao litro da gasolina. Para quem trabalha no interior do Estado, dado os elevados custos de transportes, etc., acaba comercializando em quantia superior a essa. Contudo, principalmente os que estão logisticamente mais bem localizados e os que conseguiram atingir um custo operacional inferior, muitas vezes podem vender em valor abaixo desse estimado.
Nesse caso hipotético (mas muito frequente!), há o direito de ser restituído pelas diferenças entre o valor presumido e o valor efetivamente realizado.
Usei como exemplo os combustíveis, mas o mesmo direito existe para todos que são afetados pelo regime de substituição tributária, independente da forma como é atribuído o valor à mercadoria (pauta fiscal, margem de valor agregado, índice de valor agregado, etc.). Concessionárias de veículos, revendas de máquinas, medicamentos (drogarias), vestuário e demais varejistas em geral podem ser restituídos ou, se preferirem, usarem o mecanismo da compensação tributária.
Adentrando um pouco no aspecto jurídico, esclareço que desde a Emenda Constitucional n. 03 de 1993, o parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal foi muito claro em assegurar a “imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.
Apesar disso, o STF mantinha historicamente o entendimento de que o fato gerador se realizar em valor inferior ao presumido é diferente da situação de “não se realizar”. Por essa e outras razões, negava a restituição das eventuais diferenças. Um verdadeiro absurdo, mas era a decisão que prevalecia.
Entretanto, os contribuintes nunca se conformaram com essa injustiça e continuaram pedindo socorro ao Poder Judiciário.
Assim, em 2016, ao julgar novamente a questão, em sede de recurso repetitivo, ou seja, vinculando os demais tribunais, o Supremo Tribunal Federal mudou completamente o entendimento e fixou a seguinte tese:
“É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida” (Tema 201)
A fim de modular os efeitos da decisão, já prevendo uma enxurrada de pedidos, o STF fixou que o direito a restituição existe a partir de 19.10.2016.
Em decorrência dessa decisão, todos os tribunais brasileiros passaram a permitir a restituição.
Apesar disso, o que percebemos inicialmente foi uma cautela por parte dos contribuintes de ingressar com ações judiciais, porque havia uma expectativa de que os Estados viabilizariam uma via extrajudicial para aqueles que preferissem pela compensação tributária.
Entretanto, o que efetivamente ocorreu em alguns Estados foi uma injustificada demora e resistência em disponibilizar os meios burocráticos para a solução administrativa (extrajudicial). Há casos em que a Administração Pública inventou meios de esvaziar ou, pelo menos, limitar os efeitos dessa importante conquista.
No Estado de São Paulo, por exemplo, editaram um Decreto estabelecendo que a restituição somente é possível quando os valores são atribuídos por meio de Pauta Fiscal, deixando de fora quando se usa a sistemática da Margem de Valor Agregado (MVA). Evidente que se trata de um abuso do Poder Executivo, restando aos contribuintes paulistas o caminho do Poder Judiciário, porque nem a Constituição Federal e tampouco a decisão do STF não fazem qualquer restrição nesse sentido, pois o direito subsiste sempre que a “efetiva operação for inferior à presumida”.
Já no Estado de Goiás, o obstáculo imposto foi com relação a legitimidade ativa para pedir a restituição.
Enfim, de modo geral, o que temos percebido é que muitos contribuintes estão deixando de buscar esse direito e, ainda, de ser restituído do ICMS pago a mais desde 19.10.2016. Para aqueles que se interessarem, esclareço que um dos pontos fundamentais é demonstrar de forma segura, produto por produto, quanto lhe foi atribuído para fins de ICMS e por quanto foi efetivamente comercializado.
Outro ponto relevante, é com relação à legitimidade para pedir essa restituição.
Algumas decisões judiciais, baseadas no artigo 166 do Código Tributário Nacional, são no sentido de que o contribuinte (por exemplo, o comerciante) deveria comprovar que não repassou o ônus para terceiro (por exemplo, o consumidor final) ou então que recebeu autorização para cobrar e pedir a restituição.
Apesar de algumas decisões judiciais terem esse entendimento, baseado inclusive em precedentes do STJ, a questão é que está ocorrendo uma mudança no posicionamento, pois a situação de pedir a restituição do ICMS pago a mais em regime de substituição tributária é diferente de uma hipótese em que se questiona que todo o pagamento foi errado. Atualmente a Primeira Turma possui entendimento favorável aos contribuintes (afastando o artigo 166 do CTN), enquanto a Segunda Turma não.
Noutras palavras, por exemplo, se o varejista pagou o ICMS-ST sobre um valor presumido de R$ 300,00 de um produto e o comercializou de fato por R$ 250,00, é uma simples questão de lógica que o consumidor final não arcou com o ônus do ICMS incidente sobre a diferença de R$ 50,00. Nessa linha são as atuais decisões do STJ:
(…) No caso vertente, todavia, discute-se o direito à restituição do contribuinte substituído que praticou preço menor que o estimado. Nessa hipótese, o encargo econômico de fato assumido pelo consumidor está limitado ao valor do imposto incidente sobre a operação realmente praticada, sendo certo que o valor a maior do ICMS antecipadamente recolhido pelo substituído somente pode ser por ele absorvido (…) (AgInt no REsp 1.426.465, 07.02.19)
Espero ter trazido informações relevantes e espero que mais contribuintes busquem esse relevante direito, pois os tributos que estão previstos em lei já são suficientemente capazes de dificultar a vida daqueles que querem empreender, devendo, sempre que possível, lutar para se livrar de cobranças injustas e ilegais.