As horas extras além da sexta também são conhecidas como “Sétima e Oitava Horas”. Tantas denominações podem causar confusão em vários bancários e a maneira que creio ser a mais simples para explicar e entender é dizendo inicialmente que a regra geral é que todo bancário tem jornada de trabalho de seis horas. Bancário trabalhar oito horas é exceção e mais que oito horas sem ter controle de jornada (registrar o ponto) é mais exceção ainda.
Para um bancário deixar de ser “seis horas” para se tornar “oito horas” a lei impõe requisitos e o mais importante e que causa mais discussões judiciais é com relação ao “cargo de confiança”. É importante lembrar que é condição natural o patrão ter confiança em seus empregados, inclusive dos bancos. Ninguém colocará em sua empresa ou residência uma pessoa que não tenha um mínimo de confiança. Porém, para determinadas funções mais estratégicas ou mais importantes o empregador precisa de pessoas em que deposite uma confiança mais elevada, mais especial do que a dos demais trabalhadores.
Se o bancário for mudado das funções normais para aquelas tidas como “de confiança” e se seu salário for acrescido de uma gratificação não inferior a 1/3 do salário do cargo efetivo, então deixará de trabalhar seis horas e passará a trabalhar oito horas, sem direito a qualquer contraprestação por essas duas horas a mais diárias, pois essa gratificação não é, ou pelo menos não deveria ser, por causa do aumento na jornada de trabalho, mas sim por causa das maiores responsabilidades assumidas, tal como é o caso já reconhecido pelo TST para os operadores de caixa: “…remunera apenas a maior responsabilidade do cargo e não as duas horas extraordinárias além da sexta.” (item VI da Súmula 102 do TST).
Diante dessa maravilhosa possibilidade de exigir duas horas a mais dos trabalhadores sem ter a indesejável obrigação de pagar horas extras com todos os reflexos financeiros decorrentes, e como a alta direção dos bancos é bastante afiada com relação a mecanismos para extrair o máximo de seus trabalhadores, evidente que usam e abusam dessa “exceção”.
Por conta disso existem agências que parecem ter mais “caciques do que índios”, ou seja, há uma banalização dos cargos de confiança, porque quase todos são diretores, gerentes, chefes e equivalentes. Há gerentes de todos os tipos, tais como operacionais, comerciais, de relacionamento, de pessoas físicas, de pessoas jurídicas, premier, prime, uniclass etc. Já os bancários “normais”, aqueles de seis horas, como os escriturários e os operadores de caixa, são cada vez em menor quantidade. O doutor e pós-doutor em direito, professor e juiz do trabalho do TRT de Minas Gerais, Vicente de Paula Maciel Júnior, lembra o seguinte:
Além disso, muitos bancos transformaram os auxiliares de gerência em gerentes, mantendo, no entanto, as mesmas atribuições do cargo de auxiliar, sem qualquer poder de mando ou representação. Isso se deu muito em função do objetivo de inclusão desses empregados em cargos de confiança, para que não tivessem o direito às horas extras, em face da exceção prevista no artigo 62 da CLT.
Imaginemos uma pirâmide representando a estrutura hierárquica de uma agência bancária onde os trabalhadores seis horas deveriam ser a base, sendo que acima estariam os fiscais, chefes, gerentes e equivalentes e no topo os gerentes gerais. O que acontece na prática é que a base está mais estreita que o meio da pirâmide, mais parecendo um losango…
Então, o objetivo das ações judiciais que discutem esse assunto é, para os bancários com jornada de 8h, demonstrar para o juiz que a função que desempenham não exige a confiança “especial” por parte do banco, mesmo porque tudo o que fazem é por meio do “sistema”, atividades meramente técnicas, com alçadas que demonstram um nível muito baixo de autonomia. Não se trata apenas de haver ou não subordinados, mas a relevância das atribuições desempenhadas é o melhor indicativo[1] e também “Não basta a confiança peculiar a todo contrato de trabalho. Tem que ser uma circunstância que realmente distinga o empregado, conferindo-lhe atividade estratégica na organização empresarial e autonomia própria do cargo.”[2]. A consequência é que saem da jornada de 8h e mudam para 6h, fazendo jus às duas horas extraordinárias por dia.
Já para os bancários que não possuem controle da jornada de trabalho, geralmente são os gerentes gerais das agências, as discussões judiciais procuram demonstrar que as atividades desempenhadas não configuram cargo de “direção”, uma vez que possuem várias limitações funcionais e que suas esferas de autonomia são bastante reduzidas. Por exemplo, a alçada para criar uma despesa é geralmente bem inferior a um salário mínimo. Em outros casos, até mesmo para punir um subordinado faltoso, precisa relatar o caso ao “regional” ou outro superior e aguarda a indicação de qual a penalidade a ser aplicada. Ao perceber a extrema necessidade de mais um trabalhador para a agência, poderia contratar? De maneira alguma. Ou seja, é também um executor de procedimentos pré-determinados. Por outro lado, é costumeiro esses bancários trabalharem nove ou dez horas diárias, de modo que acabam podendo questionar o direito ao recebimento das horas que excederam a oitava diária.
Alguns bancários questionam se haverá a compensação das horas-extras acima da sexta com a gratificação de função já recebida. Quanto a isso o Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui entendimento externado na Súmula 109: “GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO O bancário não enquadrado no § 2º do art. 224 da CLT, que receba gratificação de função, não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem”. A justificativa disso é que a compensação somente pode ocorrer entre duas verbas da mesma natureza e horas extras possui natureza diversa da gratificação de função.
No âmbito da primeira e segunda instância, ou seja, das varas do trabalho e dos respectivos Tribunais Regionais do Trabalho, esse assunto costuma ser tratado caso-a-caso, pois depende das provas documentais e orais apresentadas. E quando há recurso para o TST o posicionamento é de manter a decisão do TRT ao argumento de que o tema envolve análise de provas: “A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos.” (item I da Súmula 102).
Principais normas aplicáveis
a) CLT
Art. 224 – A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.
§ 1º – A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará compreendida entre 7 (sete) e 22 (vinte e duas) horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de 15 (quinze) minutos para alimentação.
§ 2º – As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a 1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo.
Art. 225 – A duração normal de trabalho dos bancários poderá ser excepcionalmente prorrogada até 8 (oito) horas diárias, não excedendo de 40 (quarenta) horas semanais, observados os preceitos gerais sobre a duração do trabalho.
Art. 226 – O regime especial de 6 (seis) horas de trabalho também se aplica aos empregados de portaria e de limpeza, tais como porteiros, telefonistas de mesa, contínuos e serventes, empregados em bancos e casas bancárias.
Parágrafo único – A direção de cada banco organizará a escala de serviço do estabelecimento de maneira a haver empregados do quadro da portaria em função, meia hora antes e até meia hora após o encerramento dos trabalhos, respeitado o limite de 6 (seis) horas diárias.
SÚMULAS DO TST
1) Súmula nº 102 do TST
BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA
I – A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos.
II – O bancário que exerce a função a que se refere o § 2º do art. 224 da CLT e recebe gratificação não inferior a um terço de seu salário já tem remuneradas as duas horas extraordinárias excedentes de seis.
III – Ao bancário exercente de cargo de confiança previsto no artigo 224, § 2º, da CLT são devidas as 7ª e 8ª horas, como extras, no período em que se verificar o pagamento a menor da gratificação de 1/3.
IV – O bancário sujeito à regra do art. 224, § 2º, da CLT cumpre jornada de trabalho de 8 (oito) horas, sendo extraordinárias as trabalhadas além da oitava.
V – O advogado empregado de banco, pelo simples exercício da advocacia, não exerce cargo de confiança, não se enquadrando, portanto, na hipótese do § 2º do art. 224 da CLT.
VI – O caixa bancário, ainda que caixa executivo, não exerce cargo de confiança. Se perceber gratificação igual ou superior a um terço do salário do posto efetivo, essa remunera apenas a maior responsabilidade do cargo e não as duas horas extraordinárias além da sexta.
VII – O bancário exercente de função de confiança, que percebe a gratificação não inferior ao terço legal, ainda que norma coletiva contemple percentual superior, não tem direito às sétima e oitava horas como extras, mas tão somente às diferenças de gratificação de função, se postuladas.
2) Súmula nº 109 do TST
GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO
O bancário não enquadrado no § 2º do art. 224 da CLT, que receba gratificação de função, não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem.
[1] PROCESSO Nº TST-AIRR-61840-35.2002.5.09.0658
[2] PROCESSO Nº TST-AIRR-106940-07.2005.5.03.0098
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