Fui “demitido” doente, posso ser reintegrado?

1. INTRODUÇÃO

Muitas pessoas sofrem com o fato de serem dispensadas de seus empregos enquanto estão com algum problema de saúde. Quando isso acontece, é normal questionarem se podem ser reintegradas ao trabalho, isto é, se a empresa é obrigada a cancelar a dispensa e readmitir no emprego.

Apenas um detalhe inicial: a palavra “demitido” é usada quando o próprio empregado pede o desligamento, isto é, quando parte dele a iniciativa. No caso de o empregador acabar com o vínculo, então o correto é falar em “dispensa”.

Mas vamos para as corriqueiras perguntas: o patrão (a empresa, o empregador…) pode dispensar o empregado se ele estiver doente? Existe alguma estabilidade? Se for dispensado, o empregado tem direito de ser reintegrado ao trabalho?

Vou responder esses questionamentos analisando alguns pontos.

2. A ENFERMIDADE CAUSA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO?

Deve-se ter em mente que o fato de uma pessoa ter determinada doença, não significa, necessariamente, que ela não possa trabalhar. Isso porque depende do estágio em que se encontra a enfermidade.

Vou citar como exemplo o clássico caso do “problema na coluna”. Segundo algumas pesquisas, cerca de 20% da população brasileira sofre com algum problema crônico na coluna. Entretanto, isso não significa que todas essas pessoas estão “incapazes” para o trabalho. Por ser um problema “crônico” é possível estarem inválidas em alguns momentos e em outros, não.

Feito esse breve esclarecimento, a resposta à pergunta acima é: regra geral, o trabalhador só poderá ter qualquer estabilidade no emprego, ou direito à reintegração, caso estivesse incapaz para o trabalho no momento em que foi dispensado.

Em outras palavras, apenas o fato de ter alguma doença não garante, por si só, a estabilidade no emprego ou o direito à reintegração, sendo necessário que no momento da demissão o empregado esteja “incapaz”.

Deve-se ficar atento, contudo, para o fato de que determinados empregados estão trabalhando sem terem condições de saúde. Ou seja, devido à alguma enfermidade, deveriam estar afastados, realizando tratamento e tentando recuperar a capacidade laborativa, mas, por diversas razões, estão trabalhando em sacrifício da saúde, agravando-a.

Às vezes, mesmo quando deveriam estar afastados, alguns empregados continuam trabalhando porque não conseguem marcar uma consulta médica (muita fila de espera no SUS); porque têm medo da represália no ambiente de trabalho; ou porque pode diminuir demais a remuneração (o auxílio-doença é de valor mais baixo que o salário); ou ainda, porque pode demorar para o INSS pagar o auxílio-doença, e têm contas a quitar; enfim, os motivos são vários.

Se acontecer de o empregado continuar trabalhando mesmo quando deveria estar afastado para tratar algum problema de saúde, e a empresa dispensar ele do trabalho, isto é, “demiti-lo”, sabendo ou não da situação de sua saúde, poderá o empregado conseguir a reintegração à função. Digo “poderá” porque a prova de tal fato pode ser bem difícil, uma vez que depende de perícia médica, de exames, laudos, atestados, etc. Mas o direito existe.

Portanto, o fato de ter uma enfermidade quando foi dispensado do emprego, não garante ao empregado o direito à reintegração. O que precisa ser investigado é se esse empregado estava inválido ou não no momento da dispensa. Ressalvando-se que o empregado pode ser considerado inválido, mesmo que tenha permanecido trabalhando, pois o fazia sem condições para tanto, piorando seu quadro de saúde e sacrificando sua condição física e mental.

Na hipótese dessa última “ressalva” feita, a incapacidade será comprovada em momento posterior à dispensa, por meio de auxílio-doença requerido junto ao INSS, preferencialmente durante o período da “projeção” do aviso-prévio.

Assim, se o empregado estava incapaz para o trabalho (invalidez) no momento em que foi dispensado, mesmo que seja comprovado posteriormente, ele tem direito de ser reintegrado, conforme será abordado a seguir.

3. QUAL A ORIGEM DA INCAPACIDADE EXISTENTE NO MOMENTO DA DISPENSA?

Estando o empregado inválido no momento em que foi dispensado, precisa ser analisado o que causou a incapacidade, pois a resposta influencia bastante nos desdobramentos da questão.

3.1 Se a incapacidade não tem origem em doença ou acidente de trabalho

Se o trabalho desempenhado pelo empregado não foi o que causou e nem o que agravou seu problema de saúde, consequentemente, sua enfermidade não será considerada como “acidente de trabalho”.

Então, por não se tratar de acidente ou doença decorrentes do trabalho, é muito comum as pessoas acreditarem que não teria direito de ser reintegrado, o que não é verdade.

Esse trabalhador tem direito à reintegração fundamentada no fato de que o contrato de trabalho estaria ou, pelo menos, deveria estar “suspenso” por conta da invalidez, de modo que sua dispensa deve ser considerada nula.

O problema, entretanto, é que, por não ser “doença do trabalho”, esse empregado não tem direito à estabilidade (garantia de emprego) de doze meses, de modo que assim que terminar o período de incapacidade, poderá ser imediatamente dispensado.

Isso significa que, na prática, geralmente não compensa buscar a reintegração de quem foi dispensado quando estava incapaz por algum motivo que não seja considerado “acidente ou doença do trabalho”.

Voltemos ao exemplo do trabalhador com “problemas na coluna” e consideremos que isso nada tem a ver com o trabalho. Suponha-se que na data da dispensa esse empregado tinha “em sua gaveta” um atestado de 60 dias que, por qualquer motivo (medo etc.), resolveu não apresentar para a empresa. E, fatidicamente, acaba sendo dispensado.

Ele teria direito de ser reintegrado? Sim.

Se na ação trabalhista de reintegração o perito afirmar que na data da dispensa ele estava inválido, ainda que temporariamente, deverá ser reintegrado, mas apenas até o final do período de invalidez. Isso porque não existe “estabilidade”, por não se tratar de doença decorrente do trabalho.

O que alguns juízes fazem, nesses casos, é apenas alterar a data do encerramento do contrato de trabalho e determinar que a empregadora faça o pagamento das eventuais diferenças nas verbas trabalhistas rescisórias, considerando a nova data da dispensa.

3.3 Se a incapacidade existente no momento da dispensa for por causa de uma “doença do trabalho” ou de um “acidente de trabalho” 

Na hipótese de as atividades desempenhadas no trabalho terem sido as causadoras, ou, pelo menos, agravantes dos problemas de saúde daquele trabalhador que foi dispensado quando estava incapaz, ele terá direito de ser reintegrado e, ainda, terá garantia de emprego (“estabilidade”) durante doze meses a contar da data em que, após recuperar a capacidade de trabalho, voltar para suas atividades.

Obviamente que, na prática, isso nem sempre é algo simples de ser conquistado.

A lei que trata disso prevê “o mundo ideal”, ou seja, do empregado que se afasta do trabalho e consegue, milagrosamente, receber do INSS o Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho (Código B91). Nesse caso, após seu retorno ao trabalho, ele não pode ser dispensado pela empresa durante um ano. Se for dispensado, facilmente conseguirá a reintegração ao trabalho.

Entretanto, na cruel realidade, o que o mais acontece é:

  •  trabalhadores que deveriam estar afastados para tratamento mas que continuam em suas atividades laborais por várias razões (falta de dinheiro para fazer exames médicos; medo de ser demitido ao retornar do atestado; medo do assédio moral ao retornar; receio da demora do INSS em começar pagar o auxílio-doença; receio de o auxílio-doença ser pago em valor muito baixo em relação ao que recebe trabalhando, etc.);
  • trabalhadores que buscam o afastamento por causa de alguma enfermidade que deveria ser considerada como “acidente de trabalho”, isto é, por alguma doença decorrente do trabalho, mas o INSS enquadra como “auxílio-doença comum” (código B31), sendo que ao retornar do trabalho o empregado sofre com a possibilidade de ser dispensado a qualquer momento;
  • trabalhadores que pedem o afastamento pelo INSS, ou seja, requerem o auxílio-doença por causa de alguma enfermidade que deveria ser considerada como “acidente de trabalho”, e o INSS nem sequer chega a deferir qualquer benefício, não defere o Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho (B91) e tampouco o Auxílio-Doença Comum (B31), fazendo com que o empregado precise continuar trabalhando, prejudicando ainda mais sua já precária saúde. 

A despeito dessas dificuldades, se acontecer de o trabalhador ser dispensado do emprego enquanto estiver inválido por causa de alguma doença ou acidente de trabalho, gozando ou não de afastamento pelo INSS, ou seja, mesmo que esteja trabalhando no dia da dispensa, poderá conseguir a reintegração.

A jornada que o trabalhador enfrentará é mais ou menos a seguinte:

  • Imediatamente, isto é, no dia da dispensa, se possível, vá ao médico e veja se diante de seu estado de saúde, deveria estar afastado do trabalho. Se a resposta for positiva, então peça um atestado médico;
  • Apesar de alguns colegas recomendarem o contrário, eu não vejo problemas de o trabalhador fazer e receber a rescisão do contrato de trabalho, inclusive homologando no sindicato, se o empregador quiser. Lembrando apenas que com a reforma trabalhista não há mais necessidade de qualquer homologação no sindicato;
  • Feita a rescisão do contrato de trabalho (quero dizer: tendo o TRCT em mãos), pode ligar no INSS (135) e agendar um pedido de Auxílio-Doença. Será marcada uma data para a perícia médica;
  • Até chegar a data da perícia médica marcada pelo INSS, esforce-se para, se possível, providenciar:
    • Documentos médicos que comprovem seus problemas de saúde: exames; atestados de todo o período; laudos relatando as enfermidades, os tratamentos que está fazendo e porque não deve ser afastado do trabalho; declarações de profissionais da saúde (fisioterapeutas, psicólogos etc.) descrevendo eventual tratamento complementar;
    • CAT – Comunicado de Acidente de Trabalho: se seu problema foi causado ou, pelo menos, agravado pelas atividades realizadas no trabalho, deve ser considerado “acidente de trabalho”. O correto seria, em primeiro lugar, a empregadora emitir o CAT, mas como isso é muito difícil de acontecer, pois só costumam emitir em caso de acidentes típicos (quedas, colisões, fraturas etc), você pode buscar ajuda do Sindicato da categoria e pedir para emitirem a CAT (também sei que até os sindicatos absurdamente colocam empecilhos para emitir esse documento), ou, ainda, até o médico que atendeu ou a própria vítima pode emitir esse formulário. Evidente que há uma decrescente força probatória, sendo que o ideal é o emitido pela empregadora;
    • No momento da perícia leve tudo que conseguiu, a fim de aumentar as chances de conseguir o deferimento do benefício e o enquadramento como B91 (Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho).e. Não receba o Seguro Desemprego: insista em receber o Auxílio-Doença. Se optar por receber o seguro desemprego, só depois que esse terminar é que poderá receber o auxílio-doença e quanto mais cedo receber esse benefício, maiores as chances de conseguir a reintegração;
  • Se, após a perícia médica no INSS, conseguir o Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho (B91), ingresse com ação trabalhista pedindo a Reintegração. Terá enormes chances de conseguir inclusive a Tutela de Urgência (liminar, tutela antecipada);
  • Se o Auxílio-Doença for indeferido ou se for concedido na espécie “comum” ou “previdenciária” (código B31), então poderá:
    • Ingressar com recurso administrativo perante o próprio INSS solicitando a transformação para B91 (acidentário ou por acidente de trabalho). Nesse caso, basta solicitar no INSS um formulário que deverá ser preenchido com os motivos pelos quais a incapacidade deve ser considerada como “acidente de trabalho” ou “doença ocupacional”. Esse recurso pode ser feito sem advogado, mas recomendo que tenha um profissional para auxiliar, pois é muito importante que consiga esse reenquadramento na espécie do benefício;
    • Ingressar com ação judicial pedindo a transformação/concessão do benefício Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho (também chamado de Auxílio-Doença Acidentário, código B91).
  • Importante ingressar com ação trabalhista pedindo a reintegração ao emprego e também pedindo indenização por danos morais por conta da dispensa arbitrária. Essa ação poderá ser proposta logo após ser dispensado ou poderá esperar a resposta do INSS. Costumo orientar a esperar, pelo menos, a resposta da primeira perícia junto ao INSS, sem necessidade de esperar eventual recurso administrativo ou ação judicial contra o INSS, pois isso pode se prolongar demais no tempo; 
  • Pode acontecer de a perícia judicial da ação trabalhista que busca a reintegração ou a respectiva sentença ser em data posterior a um ano (período em que teria estabilidade) considerando a data da dispensa. Nesse caso, alguns juízes optam por não reintegrar o trabalhador e apenas determinam que a empregadora faça o pagamento de indenização substitutiva equivalente a doze meses de remuneração. Creio ser injusta essa solução, principalmente pelo fato de que a demora na realização da perícia médica e/ou no publicação da sentença em nada é culpa do empregado, pelo que não deve ser punido, principalmente quando seu real objetivo não é a indenização, mas a garantia de retorno ao emprego do qual foi injustamente dispensado.
  • Na ação trabalhista buscando a reintegração, tendo ou não o Auxílio-Doença por Acidente de Trabalho (B91) concedido, certamente será realizada uma perícia médica judicial e se nesse processo o perito afirmar que no momento da dispensa do empregado ele estava com incapacidade decorrente de alguma enfermidade classificada como acidente ou doença do trabalho, então o empregado provavelmente será reintegrado e ainda receberá todas as remunerações retroativas a contar da injusta dispensa;
  • Se mesmo com o recurso administrativo e com a ação judicial não conseguir o Auxílio-Doença Acidentário (ou Por Acidente de Trabalho, B91), isso não significa que não vai conseguir a reintegração por meio da ação trabalhista, porém provavelmente não conseguirá a tutela de urgência (também conhecida “popularmente” como liminar ou tutela antecipada);
  • Basicamente, esse é o caminho que costuma enfrentar aquele empregado que sofre a dispensa do trabalho e que pretende ser reintegrado por meio de uma decisão judicial. São muitos os obstáculos, mas se realmente não tem condições de trabalhar por estar acometido de uma doença ou acidente de trabalho, vale a pena a luta.

4. CONCLUSÃO

Espero ter contribuído para ajudar os trabalhadores que passam pela difícil experiência de ser dispensado quando estão sofrendo com alguma enfermidade, especialmente quando causada ou agravada pelo trabalho.

Sei que conseguir os documentos que descrevi nem sempre é fácil, aliás, geralmente é bem difícil. Mas descrevi aquilo que é o “ideal” conseguir. A lógica é que, quanto mais provas conseguir, maiores as chances de uma rápida decisão favorável, como, de fato, já observamos muitos trabalhadores conseguirem.


Querido leitor,

Quer saber mais sobre assuntos trabalhistas? Leia o meu livro “Acidente de trabalho – direitos básicos na prática”

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Sobre o autor

Henrique Lima

Sobre o autor

Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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