No mês de agosto de 2016 a justiça do trabalho reconheceu o vínculo de emprego de uma arquiteta com uma empresa de engenharia e determinou o pagamento de todas as verbas correspondentes: horas extras, férias, adicional de férias, décimo terceiro, recolhimento fundiário (FGTS) e previdenciário (INSS) etc.
A discussão ocorrida no processo denuncia uma prática muito conhecida não só por arquitetos e também por engenheiros, mas por todos os envolvidos com a construção civil: para não pagar os direitos trabalhistas, a empresa tenta mascarar a relação de emprego impondo que o profissional seja contratado por meio de uma “pejota” (como dizem…, referindo-se a uma pessoa jurídica), que as vezes já existe ou noutros casos é constituída somente para atender essa exigência.
Trata-se do conhecido fenômeno da “pejotização”.
Nalgumas situações é oferecido ao profissional uma remuneração diferenciada caso ele aceite essa condição, por exemplo: “com carteira assinada o salário é R$ 6.000,00, mas com a ‘pejota’ será R$ 10.000,00”. Noutras vezes, sequer há essa indecorosa proposta, pois é “pegar ou largar”…
Felizmente que um dos princípios mais valiosos para o direito do trabalho é o da “primazia da realidade”, por meio do qual a verdade dos fatos se sobrepõe a formalidade aparente.
O artigo 3o da CLT diz que será de emprego uma relação que preencha os requisitos da pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação. Então, ainda que o trabalhador seja rotulado de parceiro, sócio, associado, prestador de serviços ou qualquer outro, se esses critérios estiverem presentes, o adjetivo correto para ele será: empregado.
Quando estamos diante de trabalhadores com relevantes qualificações técnicas e, principalmente, quando são integrantes de alguma profissão regulamentada, como é o caso dos engenheiros e dos arquitetos, o grande dilema está na averiguação da subordinação, pois os conhecimentos específicos dos quais são detentores tornam o ato de “receber ordens” menos visível se comparado a quando o trabalhador é um simples pedreiro ou ajudante que tem todas as suas tarefas minuciosamente comandadas pelo empregador.
Em outras palavras, quanto maior a qualificação técnica, mais rarefeita será a subordinação. Porém, a menor solidez dessa não autoriza tratar a situação como se ela não existisse. Lembremos, ainda, que parte dos tribunais trabalhistas aceita a tese da “subordinação estrutural”, na qual o empregado não recebe comandos diretos do empregador, mas se sujeita às regras procedimentais e estruturais da organização, inserindo-se na sua dinâmica empresarial.
Certos elementos circunstanciais servem para, agregando-se à subordinação, possibilitar ao magistrado reconhecer o vínculo de emprego: a empresa (“pejota”) ter sido criada exclusivamente para aquele determinado contrato; o profissional prestar serviços apenas para a suposta tomadora de serviços; ter período anual de descanso; realizar compensações na jornada de trabalho; receber as ferramentas de trabalho da contratante; existir outros profissionais prestando serviços semelhantes, mas com vínculo celetista etc.
Enfim, o alerta que faço aos profissionais que se encontram em situações parecidas com essas é: se em determinada situação a Justiça do Trabalho se convencer que existe uma tentativa de disfarçar um vínculo de emprego como se fosse uma outra relação contratual qualquer, ela simplesmente “passará por cima” de todos os artifícios criados (“pejota” etc), reconhecerá a relação empregatícia, determinará a anotação da carteira de trabalho, com a condenação da empregadora ao pagamento das verbas que deveria ter recebido durante o contrato.