Dores e rigidez na coluna, calcificação, espondilite, espondiloartrose anquilosante e isenção de IRPF

1 O problema da nomenclatura

A Portaria n. 1.675 de 2006, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo Federal, instituiu o “Manual para os Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais, a ser adotada aos procedimentos periciais em saúde, e para uso clínico e epidemiológico” e (site: https://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/legislacao/atos/federais/prt_mpog_2006_1675.pdf. Acessado em 28.04.2020) nele consta que o nome “Espondiloartrose Anquilosante” é usado inadequadamente em textos legais, pois o correto é “Espondilite Anquilosante”.

Mas também há outro problema. Segundo o mesmo manual oficial do Governo, a Espondilite Anquilosante ainda pode receber outros nomes:

– Espondilite (ou espondilose) risomélica;

– Doença de Pierre-Marie-Strumpell;

– Espondilite Ossificante Ligamentar;

– Síndrome (ou doença) de Véu-Bechterew;

– Espondilite Reumatóide;

– Espondilite Juvenil ou do adolescente;

– Espondiloartrite Anquilopoética;

– Espondilite Deformante;

– Espondilite Atrófica Ligamentar e

– Pelviespondilite Anquilosante (Pelviespondilite Reumática).

É o próprio Governo Federal reconhecendo tanto que é o nome correto para Espondiloartrose Anquilosante é Espondilite Anquilosante e que também pode ser identificado por pelo menos outros dez nomes.

Já outros materiais médicos indicam que também é adequado o nome “espondilose”. A única diferença, se é que tem, poderia ser o fato de que a primeira (espondilose) é mais usada quando a origem é a velhice e a segunda (espondiloartrose) quando decorre de falta de ergonomia ou atividades físicas), mas a verdade é que “os dois termos caracterizam a mesma doença” (site: https://doencasreumaticas.com/espondiloartrose-anquilosante-o-que-e/. Acessado em 28.04.2020).

A importância de estar atento à nomenclatura é porque às vezes o médico que está avaliando o caso, seja na condição de perito ou mesmo de assistente do doente, por preciosismo técnico, pode simplesmente não concordar com uma ou outra denominação, principalmente aquela que está expressa na lei (Espondiloartrose anquilosante) e utilizar outras nomenclaturas. Alerto para o fato de que, infelizmente, são comuns ações julgadas improcedentes porque o tribunal não identificou expressamente no laudo pericial a o exato nome da doença que consta no rol da Lei 7.713/88.

Nesses casos, não se tratam de analogia ou de extensão do rol, mas simplesmente da utilização de nomes diferentes para a mesma enfermidade. Seria semelhante a quando, no direito, usamos “defesa”, “resposta” ou “contestação”. Para quem é da área jurídica e aprecia um trabalho tecnicamente irretocável, significam coisas diferentes. Mas para outras pessoas, é tudo a mesma coisa.

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2 Sobre o grau de comprometimento causado pela Espondiloartrose (Espondilite) Anquilosante

Nas palavras da pesquisadora Dra. Helena Santos, do Instituto Português de Reumatologia, “a Espondilite Anquilosante é uma doença inflamatória crônica que afecta principalmente as articulações da coluna, que tendem a ser ‘soldadas’ umas às outras, causando uma limitação da mobilidade (daí o termo anquilosante, que vem do grego ‘Ankylos’ e significa soldagem, fusão). O resultado final é uma perda de flexibilidade da coluna vertebral, que se mantém rígida.” (Site: http://www.ipr.pt/index.aspx?p=MenuPage&MenuId=174. Acessado em 29.04.2020)

Por sua vez, a Revista Brasileira de Reumatologia n. 47 publicou um artigo científico denominado “Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias: Espondilite Anquilosante e Artrite Psoriásica. Diagnóstico e Tratamento – Primeira Revisão”, assinado por catorze pesquisadores, na qual o conceito fornecido é o seguinte: “A Espondilite Anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica que acomete preferencialmente a coluna vertebral, podendo evoluir com rigidez e limitação funcional progressiva do esqueleto axial.”.

Quero chamar atenção para um detalhe importantíssimo expresso nos conceitos fornecidos por esses pesquisadores: a Espondiloartrose (Espondilite) Anquilosante comporta graus! Nas palavras da Dra. Helena Santos: “… tendem a ser soldadas…”, enquanto os catorze médicos brasileiros que assinaram o “consenso” acima citado, afirmam que essa enfermidade pode “… evoluir com rigidez e limitação funcional…”.

Ou seja, se “tendem a ser soldadas” e se “podem evoluir com rigidez e limitação funcional”, significa que isso é apenas uma “tendência” e uma “possibilidade”, isto é, um prognóstico, em outras palavras, é a evolução esperada. Mas não significa que necessariamente sempre as articulações estarão soldadas e rígidas, pois pode ser que a doença esteja em sua fase inicial.

Por que estou insistindo nisso? Porque geralmente os peritos são extremamente rigorosos em confirmar o diagnóstico dessa patologia quando sabem que é para fins de isenção de imposto de renda. O rigor é tanto que implicitamente (às vezes até explicitamente) chegam a exigir um quadro de total e permanente incapacidade do periciado. Isso é absolutamente extrapola o texto legal! O problema é que muitos juízes se contentam em apenas “homologar” o laudo pericial. Por isso, convém ser enfático na manifestação ao resultado pericial.

Tanto é absurdo exigir que o portador dessa doença tenha um quadro de invalidez total e permanente, que o próprio consenso publicado pela Revista Brasileira de Reumatologia afirma: “… o paciente espondilítico deve ser informado que, embora a EA seja uma doença crônica, apresenta boas perspectivas terapêuticas atualmente…”. Ou seja, nem todo portador dessa doença estará total e permanentemente inválido. Muitos apresentarão quadro de limitações, isto é, invalidez parcial, e mesmo em grau reduzido.

A Sociedade Brasileira de Reumatologia, ao orientar os portadores dessa doença, afirma: “embora não exista cura para a doença, o tratamento precoce e adequado consegue tratar os sintomas – inflamação e dor –, estacionar a progressão da doença, manter a mobilidade das articulações acometidas e manter uma postura ereta”. Observe: manter a mobilidade das articulações.

Ou seja, é ilegal limitar o diagnóstico dessa doença apenas àqueles casos gravíssimos em que a pessoa fica encurvada para frente, completamente rígida.

Até o próprio manual instituído por portaria do Governo Federal esclarece que “Entende-se por Anquilose ou Ancilose, a rigidez ou fixação de uma articulação, reservando-se o conceito de anquilose óssea verdadeira à fixação completa de uma articulação em consequência de fusão patológica que a constitui”.

Desse modo, se a exigência fosse de uma anquilose total para conceder a isenção, a lei deveria ter usado as designações “Espondiloartrose anquilosante total ou verdadeira” ou então, para ser mais tecnicamente correta, “Espondilite anquilosante total ou verdadeira”. Até mesmo as nomenclaturas “Espondiloartrose – ou Espondilite – Anquilosante Grave” e “Espondiloartrose – ou Espondilite – Anquilosante Avançada” seriam úteis.

Mas, como a Lei 7.713/88 se limitou a exigir anquilose sem especificar seu grau, estágio ou o nível de comprometimento que precisa ter causado, acabou por possibilitar que mesmo fases iniciais da anquilose causada por espondiloartrose (espondilite), isto é, com pequeno nível de rigidez, já justifica o enquadramento no direito à isenção para o imposto de renda.

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3 Diagnóstico da Espondiloartrose (Espondilite) Anquilosante

O diagnóstico dessa patologia é feito segundo critérios que utilizam dados clínicos e radiográficos, esclarece o acima citado artigo da Revista Brasileira de Reumatologia.

Os aspectos clínicos relevantes são: (1) dor lombar com mais de três meses de duração que melhora com o exercício e não é aliviada pelo repouso; (2) limitação da coluna lombar nos planos frontal e sagital; (3) expansibilidade torácica diminuída (corrigida para idade e para o sexo).  No aspecto radiológico, verifica-se o grau da sacroiliíte bilateral (tem que ser 2, 3 ou 4) ou da sacroiliíte unilateral (quem se ser graus 3 ou 4).

Segundo os conhecidos “critérios de Nova York”, que sãos os mais aceitos pela comunidade médica, são necessárias a presença de pelo menos um critério clínico e um radiológico para a confirmação da enfermidade.

Essa enfermidade não se confunde com as simples dores na coluna. Por isso que, ao avaliar o paciente, o médico faz um histórico das queixas e solicita exames como raio-x, tomografia computadoriza, ressonância magnética e até exame de sangue, para ter o adequado diagnóstico.

Não bastam as dores persistentes na coluna, a rigidez ao amanhecer ou a falta de expansibilidade torácica, é necessário, ainda que exames de imagem revelem o processo inflamatório nas articulações sacroilíacas. Apesar disso, a inflamação das juntas sacroilíacas, que é uma alteração característica da Espondilite, às vezes, só aparece após alguns anos da doença. Então, o diagnóstico precoce exige bastante dedicação do profissional de saúde.

A presença de calcificação e ossificação nas vértebras da coluna é somente um indicativo de que pode haver quadro de Espondiloartrose (Espondilite) Anquilosante. Não significa que obrigatoriamente esse é o diagnóstico, uma vez que outras enfermidades também podem causar a calcificação, como, por exemplo, a osteofitose, popularmente conhecida como “bico de papagaio” (que surge após a desidratação do disco intervertebral, a qual pode ter várias causas), que, a princípio, não está prevista no rol de doenças da Lei 7.713/88.

Enfim, o diagnóstico de Espondiloartrose (Espondilite) Anquilosante precisa ser bem investigado para não haver a injustiça com pessoas que possuem essa doença mas que por uma análise superficial acabam não recebendo o diagnóstico correto.

Principalmente quando os peritos sabem que o objetivo é a isenção do imposto de renda, é preciso ficar muito atento, pois tendem a negar o diagnóstico de Espondiloartrose (Espondilite) Anquilosante quando o quadro é inicial, isto é, o enrijecimento das vértebras ainda é incipiente.

A Lei 7.713/88 não condicionou a concessão do benefício isencional apenas para os casos avançados da doença, mas se limitou a exigir o diagnóstico e se esse for concluído bem no início, além de possibilitar um tratamento mais efetivo, ainda terá a vantagem de usufruir por mais tempo da isenção do pagamento do imposto de renda.


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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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