O mundo tem passado por mudanças que atingem a todos, inclusive os profissionais da medicina. Antigamente, ao pensar num médico, a primeira ideia que nos vinha à mente era de um profissional liberal que atendia seus pacientes em seu consultório. Entretanto essa é uma realidade que paulatinamente tem sido transformada.
Além dessa tradicional maneira, hoje a profissão médica tem sido desempenhada de várias maneiras, por exemplo, por meio de associação cooperativista, de sociedades civis com atuação empresarial ou, também, com vínculo de emprego, quando presentes todos os requisitos do artigo 3o da CLT, a saber: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação. É sobre condição do médico que trabalha como empregado que quero tratar neste momento.
Importante dizer que se trata de uma profissão “regulamentada”, o que significa que existem leis federais que disciplinam vários aspectos de seu exercício. Para os assuntos trabalhistas há a Lei 3.999/61 idealizada não apenas para os médicos, mas também para os cirurgiões dentistas. Entretanto, não é exagero dizer que essa lei é “obsoleta”, sem utilidade prática.
Por exemplo, aparentemente ela tentou criar uma jornada de trabalho reduzida para esses profissionais, de duas a quatro horas diárias, mas os tribunais já firmaram interpretação que anula essa tentativa do legislador, dizendo que a lei apenas estabeleceu uma remuneração mínima para quatro horas de trabalho.
Aliás, por ter usado como parâmetro o salário mínimo, o que atualmente é vedado pela Constituição, até mesmo esse piso remuneratório poderá ser extinto. Tramita no STF a ADPF 324/DF em que a CNS – Confederação Nacional de Saúde pede a declaração de inconstitucionalidade do piso salarial dos médicos previsto na Lei 3.999/61, havendo desde 25.02.2105 parecer favorável da Procuradoria Geral da República, mas sem previsão para julgamento pelo Supremo. Apesar de o TST – Tribunal Superior do Trabalho possuir entendimento no sentido de que piso profissional fixado em múltiplos de salário mínimo não é inconstitucional, a última palavra nesse tipo de matéria é do STF, como guardião da Constituição.
Por razões como essas é que digo ser uma lei sem relevância prática para essa tão importante categoria profissional e que tanto contribui para o progresso da sociedade e para o bem-estar da população. Mas, diante da falta de uma legislação adequada, a avaliação de uma demanda trabalhista de um médico, mesmo que eivada de especificidades inerentes a essa honrosa profissão, deverá ser feita sob a ótica geral da CLT.
A mais complicada das questões médico-trabalhistas é justamente a primeira a ser analisada, isto é, se há ou não vínculo de emprego, porque dessa premissa basilar dependem todas as outras, tais como: horas extras, adicional de insalubridade, férias, remuneração, caráter salarial ou não de determinadas verbas recebidas diretamente dos convênios, responsabilidade civil no caso de doenças contraídas no trabalho, adicional noturno etc.
A dificuldade em torno da caracterização de determinadas dinâmicas de trabalho como sendo relações de emprego ou não decorre da enorme gama de variedade com que elas podem se apresentar. Não é possível, por exemplo, dizer que o médico plantonista jamais será considerado empregado. Cada situação possui contornos próprios que demandam atenção especial do profissional do direito, pois às vezes pode haver uma tentativa de fraude ao mascarar um contrato de emprego como se trabalho autônomo fosse.
No direito do trabalho a subordinação é a característica determinante para uma relação de trabalho ser considerada de emprego ou não. E quanto mais qualificado e técnico o trabalho, mais rarefeita costuma ser, porque a subordinação exigida de um médico é muito diferente da exigida de um cortador de cana. Por isso dizemos que a subordinação de um profissional da medicina geralmente é apenas “estrutural”.
Pretendo, nas próximas oportunidades abordar um pouco sobre essa subordinação estrutural, em especial como tem sido utilizada pelos tribunais ao julgar ações trabalhistas propostas por médicos.