Quase todos os dias decisões do Supremo Tribunal Federal ocupam relevante espaço nos meios de comunicação, o que é um indicativo de que existe grande interesse sobre a maneira como julga a mais alta corte do país. Acredito que as pessoas “leigas” devem querer saber o porquê de uma aparente contradição entre alguns julgamentos ou mesmo o porquê de sempre existir uma expectativa sobre quem será o ministro designado para este ou para aquele caso.
Em tese, se a lei é a mesma, as decisões deveriam ser iguais, independente de quem irá julgar. Entretanto, não é assim que ocorre.
A razão da aparente “incerteza” jurídica decorre da maneira como nossa Constituição Federal é interpretada. Atualmente, entende-se que ela não é apenas uma “carta de intenções”, mas, pelo contrário, reconhece-se que a mesma possui “força normativa”, isto é, para a aplicação da maior parte dos direitos nela previstos não há necessidade de existir leis mais detalhadas, ou seja, mais específicas.
Em outras palavras, os juízes e os tribunais podem julgar os casos utilizando diretamente direitos previstos na Constituição. E é daí que surgem muitas controvérsias jurídicas.
Como os textos constitucionais geralmente são abrangentes, ou seja, com conceitos indeterminados, não há como impedir que os magistrados julguem influenciados por suas convicções pessoais, ideológicas, religiosas, filosóficas etc. É muito difícil se “despir” de tudo isso para fazer uma análise meramente científica-jurídica da questão.
Por exemplo, a Constituição Federal garante a “inviolabilidade do direito à vida”, porém o que é vida e quando ela começa? Essa imprecisão possibilita que algum ministro (como de fato ocorreu) entenda que até o terceiro mês de gestação não há vida, por isso seria permitido assassinar aquele feto.
O mesmo ocorreu com relação ao “casamento das pessoas do mesmo sexo”, quando se entendeu que o conceito de família comportaria esse tipo de união e já que a Constituição não a vedava expressamente, então por respeito ao princípio da igualdade deveria ser aceito no ordenamento jurídico.
Ou seja, em ambos os exemplos, apesar das conclusões a meu ver absurdas, os posicionamentos políticos, filosóficos e religiosos dos julgadores os levaram a pensar daquela maneira, então como não havia uma proibição jurídica impossível de contornar, encontrou-se argumentos para fundamentar aqueles pontos de vista.
É certo que existe insatisfação sobre essa forma de interpretar e de julgar, porque muitos consideram uma invasão da Corte Constitucional (STF) em algo que é competência do Poder Legislativo, ou seja, criar as regras que direcionarão a vida das pessoas. Entretanto, essa é uma realidade não apenas no Brasil e decorre do fortalecimento dos direitos e das garantias fundamentais dos cidadãos, que passaram a ser considerados autoaplicáveis, ou seja, se a Constituição garante determinado direito, não importa se o Poder Legislativo o regulamentou ou não, qualquer interessado pode reivindicá-lo perante o Poder Judiciário.
Portanto, sem dúvida que os julgamentos do STF continuarão cada vez mais influenciando nossas vidas, de modo que espero ter conseguido explicar, com linguagem fácil, um dos vários motivos do porquê de aparentes contradições entre decisões, quando proferidas por um ou outro magistrado. Em outra oportunidade falarei sobre a técnica de julgamento utilizada quando num mesmo caso há incidência de duas normas aparentemente contraditórias.