Cardiopatia grave e isenção de IRPF: insuficiência cardíaca, hipertensão, arritmia, miocardiopatia, valvopatia, isquemia, etc.

O inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713/88 prevê a isenção do imposto de renda para o apesentado que possua cardiopatia grave.

Cardiopatia é uma designação que pode ser usada para várias doenças que afetam o coração, ou seja, é um gênero, não se referindo a uma enfermidade específica. É por esse motivo, inclusive, que provavelmente não será encontrada em exames laboratoriais, pois esses indicarão moléstias cientificamente mais precisas, as quais exemplificarei mais abaixo neste texto.

Então, quando se diz que alguém é cardiopata grave, significa apenas que possui algum problema severo no coração.

Como já é possível imaginar e ocorre com as outras enfermidades previstas na Lei 7.713/88, aqui também há margem para grande subjetivismo e imprecisão na avaliação se a cardiopatia merece ou não o adjetivo “grave”.

Assim, não é incomum um cardiologista atestar que um paciente está na condição grave e outro profissional chegar à conclusão de que é apenas moderado.

Então, para auxiliar os profissionais da saúde nessa avaliação, existem alguns critérios que podem ser adotados. A classificação mais aceita entre a classe médica e também nos processos judiciais é a da NYHA (New York Heart Association) que estabelece quatro níveis para a severidade dos sintomas da insuficiência cardíaca (IC), sendo a classificação I a mais leve e a IV a mais grave.

Para determinar o grau em que a pessoa com cardiopatia está, são realizados testes. Por exemplo, uma pessoa no nível III (três) poderia conseguir, numa esteira, caminhar em média 268 metros em seis minutos, enquanto o paciente do grau I caminharia 439 metros.

São considerados cardiopatas graves os que se enquadram na categoria III e IV, mas eventualmente alguns da II, a depender da idade, da atividade profissional e da capacidade de recuperação.

Vejamos a descrição da classificação feita no manual do Núcleo do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro:

CLASSIFICAÇÃO DAS CARDIOPATIAS DE ACORDO COM A CAPACIDADE FUNCIONAL DO CORAÇÃO – NYHA
Classe I  
Pacientes com doença cardíaca, porém sem limitação da atividade física. A atividade física ordinária não provoca fadiga acentuada, palpitação, dispnéia nem angina de peito
Classe II
Pacientes portadores de doença cardíaca que acarreta leve limitação à atividade física. Esses pacientes sentem-se bem em repouso, mas a atividade física comum provoca fadiga, palpitação, dispnéia ou angina de peito.
Classe III
Pacientes portadores de doença cardíaca que acarreta acentuada limitação da atividade física. Esses se sentem bem em repouso, porém, pequenos esforços provocam fadiga, palpitação, dispnéia ou angina de peito.
Classe IV
Paciente com doença cardíaca que acarreta incapacidade para exercer qualquer atividade física. Os sintomas de fadiga, palpitação, dispnéia ou angina de peito existem mesmo em repouso e se acentuam com qualquer atividade”.

Perceba como é sutil o enquadramento na classe II (considerada não-grave) e na III (considerada grave). A diferença reside em conceitos imprecisos como “leve” ou “acentuada” limitação à atividade física. Ou então se refere a “sentir-se bem” em “atividade física comum” ou aos “pequenos esforços”.

É necessária muita seriedade nessas avaliações, porque o enquadramento que o cardiologista fizer resultará em grandes consequências jurídicas (não apenas a isenção do IRPF) na vida do paciente. Aliás, não é por outro motivo que existem muitas ações judiciais sobre esse assunto.

A prática de quase duas décadas atuando em processos judiciais envolvendo perícia médica já deixou bem evidente para mim que, infelizmente, grande parte do resultado do processo judicial depende do perito que fará a avalição. Muitas vezes é mais importante que o próprio juiz que proferirá a sentença, porque vários magistrados costumam simplesmente seguir o resultado da perícia, em que pese não serem vinculados a ele.

Nesse outro manual para os profissionais da saúde, fundamentado na mesma NYHA, cita-se alguns exemplos de atividades (https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/multimedia/table/v936087_pt):

Classe NYHA Definição Limitação Exemplo
I Atividade física comum não provoca fadiga excessiva, dispneia ou palpitações. Nenhuma
Pode completar qualquer atividade que exija ≤ 7 metros: Carregar 11 kg por até 8 passos Carregar objetos pesando 36 kg Escavar a neve Escavar o solo Esquiar Jogar squash, handball ou basqueteAndar/correr lentamente a 8 km/h
II Atividade física comum provoca fadiga, dispneia palpitação ou angina. Leve
Pode completar qualquer atividade que exija ≤ 5 MET: Relação sexual sem interrupção Jardinagem Patinar Andar a 7 km/h em terreno plano Subir um lance de escadas em ritmo normal sem sintomas
III Confortável em repouso; menos que a atividade física normal causa fadiga, dispneia, palpitações ou angina. Moderada
Pode completar qualquer atividade que exija ≤ 2 MET: Tomar banho ou vestir-se sem interrupçãoDesfazer e arrumar a cama Limpar janelas Jogar golfe Andar 4 km/h
IV Sintomático em repouso; qualquer atividade física aumenta o desconforto. Grave
Não consegue realizar ou completar qualquer atividade que exija ≥ 2 MET; não pode realizar qualquer uma das atividades anteriormente descritas

A Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou um documento chamado “Consenso Nacional sobre Cardiopatia Grave”, com a participação de quarenta de médicos, com o objetivo de “oferecer aos cardiologistas, subsídios para melhorar a avaliação e padronização do prognóstico dos cardiopatas, caracterizando com maior precisão sua gravidade”. Eis o que estabelece esse documento:

Ficou estabelecido que a cardiopatia crônica é grave quando limita, progressivamente, a capacidade física, funcional e profissional, não obstante tratamento clínico e/ou cirúrgico adequado, ou quando pode induzir à morte prematura. A limitação de que trata o conceito é definida habitualmente pela presença de uma ou mais das seguintes síndromes: insuficiência cardíaca, insuficiência coronária, arritmias complexas, bem como hipoxemia e manifestações de baixo débito cerebral, secundárias a uma cardiopatia. Para insuficiência cardíaca e/ou coronária, classificam-se como graves as enquadradas nas classes III e IV da classificação da NYHA e, eventualmente, as da classe II, na dependência da idade, da atividade profissional e da incapacidade de reabilitação. (http://publicacoes.cardiol.br/consenso/1993/61/cardiopatiaGrave.pdf. Acessado em 16.04.2020)

Não se engane, há apenas uma aparência de objetividade. Note bem que na verdade é tudo bastante subjetivo e impreciso. Vejamos os critérios indicados para a caracterização da cardiopatia grave: “quando limita, progressivamente, a capacidade física, funcional e profissionalou então quando “pode induzir à morte prematura”. Também se refere as classes III e IV da classificação da NYHA, e deixa em aberto a possibilidade da “classe II, na dependência da idade, da atividade profissional e da incapacidade de reabilitação”.

Quanto as patologias do coração que podem implicar em cardiopatia grave, são várias, por exemplo: cardiopatia isquêmica, cardiopatia hipertensiva, miocardiopatia, valvopatia, estenose mitral, insuficiência aórtica, estenose aórtica, prolapso valvar mitral, cardiopatias congênitas, arritmias cardíacas, disfunção do nó sinusal sintomática, bradiarritmias, taquiarritmias cor pulmonale crônico, entre outras. Reforço que todas essas enfermidades podem, ou não, ser consideradas cardiopatia grave, pois dependem de outros critérios, especialmente da severidade dos sintomas.

É muito frequente contribuintes perguntarem se podem conseguir a isenção do pagamento do imposto de renda porque realizaram determinados procedimentos cirúrgicos, alguns mais simples, outros mais graves. Contudo, sempre explico não ser possível estabelecer previamente, com base no histórico dos procedimentos realizados, quem tem, ou não, o direito. É claro que algumas situações aparentam a condição de gravidade, especialmente na opinião de um leigo. Mas tudo depende, repito, da severidade dos sintomas e nessa avaliação, como sustentei acima, infelizmente há grande margem para a análise subjetiva.

Por isso, é importante ter essa consciência para que, sempre que possível, busque mais de uma opinião médica. Além do mais, como o corpo humano não é uma máquina que trabalha em constante linearidade, é possível que num dia o paciente esteja experimentando os sintomas com maior ou com menor intensidade, o que afeta testes como, por exemplo, o da esteira.

Felizmente alguns magistrados são bastante atentos à difícil condição dos cardiopatas e proferem decisões que demonstram grande sensibilidade: “… o fato de constar que a moléstia (cardiopatia grave) está atualmente controlada não impede a concessão do benefício isencional, tendo em vista que sua finalidade é diminuir os sacrifícios dos aposentados, aliviando-os dos encargos financeiros…) (TJ-MS; APL 0803927-40.2014.8.12.0001; Rel. Des. Eduardo Machado Rocha; DJMS 17/08/2017).

Enfim, é necessária uma avaliação minuciosa de cada caso a fim de verificar a possibilidade desse importante benefício isencional para pessoas que sofrem com essa terrível enfermidade que é cardiopatia grave.


Querido leitor,

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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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