O adoecimento dos médicos e a isenção do imposto de renda sobre suas aposentadorias

I – Introdução

O objetivo deste texto é chamar atenção da classe médica para um importante direito do qual podem usufruir: a isenção do imposto de renda sobre os valores de suas aposentadorias (pública ou privada) quando portadores de alguma enfermidade causada pelo trabalho.

II – Os médicos e as doenças profissionais

É triste perceber que muitos médicos acabam tendo a própria saúde física e mental prejudicada justamente por se dedicarem no cuidado da nossa.

Para piorar o estresse natural da profissão, parece que a satisfação da grande mídia está apenas em divulgar fatos com conotação negativa, como casos de “erros médicos” – que sequer foram julgados pela justiça –, de ausências em plantões nos postos de saúde – mas sem relatar as inúmeras horas extras pelas quais não recebem –, e, ainda, hipotéticos casos de abandono de pacientes – omitindo a falta de estrutura e as condições degradantes dos hospitais e unidades de saúde.

No artigo “As condições de trabalho médico”, coordenado por Maria Helena Machado (MACHADO, MH., coord. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997. 244 p.), esclarece-se que 80,4% dos médicos consideram sua atividade desgastante e as causas mais indicadas foram: excesso de trabalho, jornada de trabalho prolongada, multiemprego (27%); baixa remuneração (17%); más condições de trabalho (16%); área de atuação/especialidade (9%); excesso de responsabilidade, relação de vida e morte com os pacientes (12%).
Interessante observar que a indicação de desgaste foi igual tanto para os médicos que atuam na rede privada como na rede pública de saúde. Já entre os que fazem plantões e os que não fazem, houve uma indicação muito maior de desgaste entre os primeiros, ou seja, 90,50% dos médicos que fazem plantão reclamaram da desgastante atividade, enquanto que os que não realizam plantão a queixa foi de 68,80%.

Seguem enumeradas algumas das doenças que podem ser consideradas ocupacionais e que acometem grande número de médicos:

a) Problemas na coluna. Os cirurgiões, por exemplo, sofrem bastante com as longas horas em pé e os procedimentos cirúrgicos realizados em condições não ergonômicas. Camas e macas que não se ajustam adequadamente à altura do profissional é uma das diversas causas de problemas;

b) Problemas nos ombros. Situação semelhante à dos problemas na coluna. Movimentos repetitivos e mobiliários não adequados são frequentes fontes de adoecimento;

c) Infecções em geral. Os cirurgiões, em especial, sofrem com o constante e real risco de infecção por Hepatite, HIV, entre outras enfermidades;

d) Problemas psiquiátricos. Depressão, síndrome do pânico, síndrome de burnout, são alguns dos males que acometem todas as especialidades;

e) Acidentes de trânsito. Após as muitas horas em longos plantões, por vezes, ocorre de os profissionais da medicina se envolverem em acidentes de trânsito ao se deslocarem para sua residência ou para outros locais onde se dedicarão a mais um plantão, até em municípios diferentes.

Esses são apenas exemplos de situações que podem levar os médicos a desenvolverem problemas de saúde que tenham nexo com o trabalho desempenhado ao longo dos anos.

É certo que apenas com uma avaliação específica do caso concreto, levando-se em consideração todo o histórico do médico, é que se pode averiguar se os problemas de saúde podem se enquadrar no conceito de “moléstia profissional”.

Vamos, doravante, analisar alguns aspectos jurídicos envolvidos.

II – Aspectos jurídicos

A Lei 7.713/88, no inciso XIV, do artigo 6º, prevê as enfermidades que possibilitam a isenção do Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria, dentre elas a “moléstia profissional”:

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

Uma leitura apressada desse artigo leva muitas pessoas a pensarem erroneamente que no caso da Moléstia Profissional, só haveria direito à isenção do IR se a aposentadoria tivesse sido motivada por acidente de trabalho.

No entanto, a correta interpretação do dispositivo que trata do tema é no sentido de garantir que podem ser beneficiadas quaisquer aposentadorias (idade, tempo de contribuição, especial, invalidez etc.) desde que os titulares possuam alguma enfermidade que se caracteriza como “moléstia profissional”, isto é, decorrente do trabalho.

As decisões dos tribunais são nesse sentido, conforme exemplo abaixo:

DIREITO TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA. LEI Nº 7.713/88. MOLÉSTIA PROFISSIONAL. LER/DORT. NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88 impõe a presença de dois requisitos cumulativos para a isenção do imposto de renda, a saber: que os rendimentos sejam relativos à aposentadoria, pensão ou reforma, e que a pessoa física seja portadora de uma das doenças referidas. Enquadrando-se nas condições legais, o rendimento é isento do tributo. 2. A lesão por esforço repetitivo – LER, doença que acomete a autora, é moléstia profissional e garante a isenção pleiteada. 3. A isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria em razão de moléstia grave tem por objetivo desonerar quem se encontra em desvantagem face ao aumento de despesas com o tratamento da doença. Precedentes. 4. Em momento algum se exige para a concessão da isenção do imposto de renda que os proventos de aposentadoria sejam oriundos de aposentadoria por invalidez, ou ainda, que tenham decorrido diretamente da moléstia profissional adquirida. 5. A Lei nº 7.713/88 prevê a possibilidade de isenção mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Assim, não há vinculação entre a modalidade de aposentadoria recebida e o direito a isenção aqui pleiteada. 6. Ter a apelante se submetido à reabilitação profissional, passando a exercer na empregadora função compatível com as condições de saúde, não altera o fato de que ainda é portadora da enfermidade. 7. Demonstrada a hipótese de isenção tributária no caso concreto, bem como a necessidade de acompanhamento médico, não há o que se falar em violação ao artigo 111 do Código Tributário Nacional. 8. Condenação da União Federal e INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observado o artigo 23 do CPC/73. 9. Apelação provida.
(TRF-3 – Ap: 00083917320104036110 SP, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA, Data de Julgamento: 22/11/2017, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA: 27/02/2018).

Mas outros pontos também precisam ser destacados:

a) Não é necessário que a doença cause invalidez ou incapacidade. É errado acreditar que, para ter direito à isenção do imposto de renda (IRPF), a doença precisa ser grave a ponto de causar invalidez para o trabalho. Essa exigência não está na lei, apesar de alguns peritos terem essa falsa crença. Ao tratar das isenções, a Lei 7.713/88 não exige invalidez, nem mesmo incapacidade parcial. Exige apenas a existência da doença. 

b) A isenção deve retroagir desde a data do diagnóstico. Se alguém conseguiu a isenção apenas a contar da data em que fez o pedido, essa pessoa poderá ingressar com ação judicial buscando receber retroativamente o imposto de renda desnecessariamente pago, a contar da data do diagnóstico da doença. 

c) Não há necessidade de “laudo oficial”. Apesar de a Receita Federal informar que há necessidade de “laudo oficial”, isso não é verdade, pois a Justiça já definiu que a doença pode ser provada até mesmo por laudos, exames e atestados particulares. O necessário é que o Juiz se sinta seguro em relação à existência da doença. 

d) Não há necessidade de prévio requerimento administrativo. Muitas pessoas desanimam com possibilidade de isenção por não quererem “enfrentar” a burocracia da Receita Federal ou de eventuais outros órgãos. Felizmente, vários tribunais já decidiram que o interessado pode buscar a isenção diretamente na Justiça, sem necessidade de se submeter às delongas administrativas que geralmente são fadadas ao insucesso. 

e) Não precisa ser aposentado por invalidez. É comum as pessoas terem a equivocada ideia de que a isenção é apenas para os aposentados por invalidez. Essa não é uma exigência da lei. Qualquer tipo de aposentadoria, seja ela por idade, por tempo de contribuição ou especial, pode ser isenta do imposto de renda se a pessoa tiver alguma das doenças descritas na lei. 

f) Quem recebe Pensão por Morte também tem direito. Como expliquei acima, não há necessidade de a aposentadoria ser por invalidez. Qualquer aposentadoria e até mesmo a pensão por morte pode ser isenta do imposto de renda. Assim, por exemplo, uma mulher (não importa a idade) que recebe pensão por morte, se desenvolver câncer de mama, terá direito a isenção do IRPF. 

g) A isenção também alcança a Previdência Privada. Não apenas qualquer tipo de aposentadoria ou de pensão, mas também os valores recebidos mensalmente e os resgates (em parcela única ou não) feitos da previdência complementar (aberta ou fechada), podem ser isentos do imposto de renda. 

h) Em caso de morte, os herdeiros podem pedir a restituição do imposto de renda. Infelizmente, às vezes acontece de o aposentado falecer sem que tenha pedido a isenção do imposto. Nesse caso, seus herdeiros podem pedir a restituição dos valores pagos desnecessariamente. Isso vale mesmo que esses herdeiros não se tornem pensionistas do falecido. 

III. Conclusão

Com as informações acima, espero ter contribuído para que os médicos, de qualquer especialidade, que sofrem (mesmo sem estar inválido) com alguma enfermidade causada pelo trabalho que desempenharam por anos (moléstia profissional), fiquem atentos à possibilidade de isenção do Imposto de Renda para as suas aposentadorias, reforçando que, não é necessário que a moléstia profissional tenha sido o motivo da aposentadoria.


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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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