No ordenamento jurídico brasileiro, no tocante à responsabilidade civil, vigora a regra geral de que o elemento “culpa” é imprescindível para a configuração do dever de indenizar. Em outras palavras, adotou-se a Teoria da Culpa ou, ainda, a Responsabilidade Civil Subjetiva, prevista no artigo 186 do Código Civil.
Na opinião dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor: “a moral convencional quer salvaguardar a liberdade de agir dos homens e só responsabilizá-los quando se configurar uma conduta culpável”[1].
Como decorrência dessa opção pela Teoria da Culpa, havendo uma ação, ou uma omissão, ilícita com um dano conseqüente, há necessidade de se investigar se o causador agiu com negligência(falta de diligência, descuido, desleixo), imprudência (inobservância das medidas de segurança ou precaução) ou imperícia (falta de conhecimentos práticos, inexperiência, inabilidade), que são espécies do gênero “culpa”.
Entretanto, quem já se envolveu em situações relacionadas à responsabilidade civil, normalmente ação de reparação de danos sabe a dificuldade que é comprovar a culpa do causador do dano.
Esse obstáculo pode ocorrer tanto naqueles casos em que a imprudência, imperícia ou negligência é certa, evidente, mas há dificuldade em apresentar a prova disso, como também na hipótese em que a culpa não é tão facilmente verificada ou não está claramente configurada. Nessas situações, a prova é ainda mais difícil de ser apresentada em juízo.
Então, consciente dessas dificuldades, para algumas espécies de relações jurídicas, normalmente as desequilibradas – em que uma é parte preponderantemente mais forte que a outra – o legislador brasileiro teve por bem adotar a Teoria do Risco, isto é, a Responsabilidade Civil Objetiva, em que se dispensa a averiguação da culpa, bastando a demonstração da ação – ou omissão – do dano e do nexo de causalidade.
É o que ocorre nos casos de danos sofridos pela Administração Pública, nas relações de consumo e até, pode-se dizer, nos acidentes de trabalho (ressalve-se que há divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a aplicação da Teoria do Risco para os infortúnios trabalhistas).
Nesta oportunidade, vamos nos ater às relações que consumo, que são disciplinadas pela Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, conhecido como Código de Defesa do Consumidor.
Atualmente “somos todos – pessoas jurídicas ou físicas – fornecedores ou consumidores, vale dizer, agentes ou destinatários finais de bens ou serviços colocados no mercado de consumo”[2] e isso dá uma idéia da importância que possuem as relações de consumo em nossa sociedade.
Portanto, a fim de dar efetividade ao disposto no inciso I do artigo 3º da Constituição Federal, que estabelece como objetivo da nossa República a construção de uma sociedade justa e considerando a envergadura que as relações de consumo possuem em nosso cotidiano, o legislador teve que optar por um modelo de responsabilidade civil que mais estivesse de acordo com essa necessidade e realidade.
Assim, tivesse a opção recaído sobre a responsabilidade subjetiva (Teoria da Culpa), muita injustiça poderia ocorrer, eis que os consumidores estão em manifesta desvantagem com relação à possibilidade de produção da prova da culpa do fornecedor, pois não detêm os conhecimentos técnico-científicos necessários.
Dessa forma, levando-se em conta que as atividades empresariais podem representar um risco especial aos consumidores porque realizadas em busca do lucro, e isso pode levar alguns fornecedores a priorizar o ganho em detrimento da estrita observância das normas protetivas da saúde e segurança, não teve o legislador opção senão adotar a Teoria do Risco, tornando dispensável a comprovação da culpa.
Portanto, ocorrendo o evento danoso, caberá ao consumidor prová-lo (isto é, demonstrar o prejuízo) juntamente com o defeito do produto ou serviço e o nexo de causalidade que os liga. A doutrina costuma indicar três espécies de defeitos: de concepção, de produção e de informação.
É certo, por outro lado, que não se trata de uma responsabilidade absoluta, pois o próprio Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 12 e 14, prevê hipóteses de excludentes da obrigação de reparar.
No caso dos produtos (art. 12), se o fornecedor provar que não foi ele quem colocou o produto no mercado (v.g. furtados, falsificados etc), estará eximido de indenizar. De igual maneira, se provar a inexistência de defeito, seja no produto ou no serviço, também estará livre de qualquer responsabilização. Nessas hipóteses poderá o juiz decretar a inversão do ônus da prova.
Por fim, no caso de o fornecedor provar que o dano ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, também estará desobrigado a pagar qualquer indenização, porque se rompe o nexo de causalidade entre o dano e o defeito do produto.
Quando se trata de culpa concorrente, isto é, em que fornecedor e consumidor contribuíram para a ocorrência do sinistro, a doutrina divide-se entre aqueles que entendem que deve haver divisão proporcional dos prejuízos (Alberto do Amaral Júnior[3]) e os que sustentam a responsabilidade integral do fornecedor (Luiz Antônio Rizzatto Nunes[4]).
Além dessas hipóteses expressamente previstas no Código de Defesa do Consumidor, a doutrina ainda indica outras situações capazes de afastar a responsabilidade: caso fortuito ou força maior, riscos de desenvolvimento e exercício regular de direito[5].
Entretanto, em linhas gerais, são essas as características da responsabilidade civil dos fornecedores dentro do microssistema do Código de Defesa do Consumidor, que, como se percebe, foge da regra geral da Teoria da Culpa, para adotar a Teoria do Risco em que os fornecedores de produtos e/ou serviços são obrigados a indenizar os danos causados aos consumidores independentemente da demonstração de culpa.
[1] Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover… [et. al.]. – 8 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2004, pag. 178.
[2] Ob. cit, pag. 174.
[3] Proteção do Consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo: RT, 1993, p. 288.
[4] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 170.
[5] TEIXEIRA, Michele Oliveira; DAUDT, Simone Stabel. Aspectos da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e excludentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1311, 2 fev. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9453>. Acesso em: 08 jan. 2010. Material da 3ª aula da disciplina Relações de Consumo e Responsabilidade Civil e Penal, ministrada no Curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito do Consumidor – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.