Defesa dos Bancários: Assédio Moral

Metas de vendas de produtos e de serviços quase impossíveis de atingir; perseguições;  exigência de superar os percentuais de rentabilidade estabelecidos pela direção do banco; palavras de baixo calão; cobranças repetitivas e sistemáticas; divulgação on line do ranking; ameaça de demissão; ameaça de destituição de cargo gerencial; todo esse ambiente de terrorismo parece incompatível com as tão propagadas práticas de gestão responsável do mundo corporativo em que se professa o respeito aos indivíduos, às suas particularidades e dignidade.

Mais inacreditável ainda é quando pensamos que estamos falando de instituições financeiras, pois o cenário onde se passam as atitudes acima descritas parece distante daquela imagem que os consumidores têm de que trabalhar num banco deve ser bom, por estarem num ambiente agradável, com agências bonitas (estrutura física), climatizadas, muita tecnologia e pessoas profissionalmente preparadas, mas quem conhece essa realidade de perto sabe que se trata de uma grande ilusão. É semelhante à situação das mulheres que recebem materialmente tudo dos respectivos maridos e, para quem observa de fora, parece que tudo vai muito bem, mas que dentro do casamento vivem um verdadeiro “terror”, com desrespeitos, traições e falta de companheirismo.

Algumas pessoas, geralmente as bem jovens, ainda nutrem um “sonho” de trabalhar num banco, porém isso é rapidamente desfeito quando conseguem realiza-lo e percebem que as instituições financeiras transferem cada vez mais os serviços para os próprios clientes (autoatendimento, internet bank etc), e que trabalharão basicamente como vendedores de produtos e de serviços, e o sonho, que já se tornou pesadelo, fica ainda pior quando sentem “na pele” que serão exaustivamente cobrados por sua chefia imediata, a qual, por sua vez, também é pressionada pela gerência intermediária, que se comprometeu a entregar determinado resultado ao gerente geral, o qual depende de uma incrível rentabilidade de sua agência, para ficar bem visto pela diretoria regional e assim sucessivamente. A estratégia dos bancos, é vender a seus funcionários a mensagem de “foco no cliente”, mas na verdade o que eles querem dizer é “foco na venda”. Em resumo, para os objetivos principais do banco, de nada importa se, por exemplo, o operador de caixa fez seu trabalho corretamente, sem diferenças no final do dia (pois de qualquer forma é ele quem irá pagar mesmo) e sem clientes insatisfeitos, se não conseguiu atingir determinada quantidade de venda de produtos e de serviços.

No artigo científico “O assédio moral na perspectiva de bancários”[1], publicado por Lena Rodrigues Soares (psicóloga e mestre em saúde coletiva pela USP) e Wilza Ferreira Villela (médica, livre docente e professora da USP), essa “violência perversa no mundo do trabalho” caracteriza aquilo que conhecemos como Assédio Moral, cuja expressão foi criada por Marie-France Hirigoyen, que a conceitua da seguinte maneira:

[…] o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. (p. 17)[2]

Para Margarida Barreto, mestre em psicologia social, o assédio moral pressupõe: 1. repetição sistêmica (não basta um ato); 2. intencionalidade (forçar o outro a mudar de emprego, por exemplo); 3. direcionalidade (uma pessoa ou grupo é escolhida como bode expiatório; 4. temporalidade (durante a jornada, por dias ou meses) e 5. degradação deliberada das condições de trabalho[3].

No caso dos bancos, a intencionalidade geralmente é para o aumento dos lucros por meio do cumprimento das altíssimas metas de venda de produtos e de serviços estabelecidas pela direção. As pesquisadoras Lena Rodrigues e Wilza Ferreira assim descrevem esse objetivo:

No cenário de uma instituição financeira cercado de competitvidade, focado em lucros e resultados, com valores humanos postos em segundo plano, o assédio moral passa a ser utilizado como uma ferramenta para disciplinar as pessoas da organização ou como um modo deliberado de exercer o poder com o propósito de atingir os objetivos do banco…

Uma das consequências para a vítima do assédio moral costuma ser o adoecimento, tanto físico como mental e, nesse sentido a depressão e a síndrome do pânico são as principais patologias que surgem por causa dessas práticas. Aliás, ao contrário do que pode parecer e é importante deixar bem registrado que essas patologias não atingem apenas funcionários de baixa produtividade e que não conseguem os objetivos traçados pelos bancos, mas está presente em todos os níveis, inclusive naqueles que são mês após mês premiados e elogiados (para estimular os outros) pelo grande volume de vendas de produtos e de serviços pela chefia, pois chega determinado momento em que atingem o limite de suas resistências físicas e emocionais. 

A Previdência Social frequentemente divulga dados que revelam que grande parte dos benefícios previdenciários concedidos (em 2011 era pouco mais de 40%, mas esse índice está sempre aumentando) são para trabalhadores com algum tipo de transtorno mental e a maior parte desses casos é por depressão.

No universo dos bancários a depressão costuma estar relacionada a diversos fatores. Há as exacerbadas cobranças para o cumprimento e superação das metas de vendas estabelecidas pela direção da instituição financeira; há também a extrema competitividade onde gestores e chefes de serviços mal preparados preferem tentar aumentar a produtividade por meio da “gestão-pressão”, utilizando atitudes abusivas, que ofendem a dignidade do trabalhador, e do terrorismo.

Para agravar o quadro, muitos trabalhadores evitam a todo custo o tratamento e o afastamento, que deveria ser feito logo no início dos sintomas, quando a possibilidade de recuperação é bem maior, pois temem a represália e o preconceito existente com os trabalhadores acometidos de depressão, igualmente ocorre com aqueles com LER/DORT.

Enquanto o bancário está atingindo as metas e trabalhando com o máximo ou até mesmo acima de sua capacidade, ele vive a ilusão de que é importante para o empregador, mas é só ele começar um tratamento e informar ao banco, ou mesmo comentar com seus superiores, que já passa correr o risco de ser desligado da instituição ou de passar a ser deixado paulatinamente “de lado”, tornando-se uma “peça estragada” a ser substituída.

As condutas que podem caracterizar assédio moral e, consequentemente, podem levar ao adoecimento do trabalhador são várias. Apenas como exemplo podemos citar alguns casos:

  1. humilhação na frente de colegas por não cumprir as metas;
  2. isolar o trabalhador em casos de doenças ocupacionais (ler/dort, depressão, síndrome do pânico), gravidez, acidentes;
  3. divulgação de ranking (não sendo mais tão comum aquele exposto no mural da agência, mas agora a divulgação é por e-mails direcionados para dezenas de colegas de trabalho);
  4. perda de comissionamento e até do emprego caso reivindique direitos;
  5. obrigação de fazer carta de justificativa quando não há atingimento de metas;
  6. obrigação de permanecer em casa por não ter atingido as metas;
  7. constantes e-mails cobrando não apenas o atingimento dos objetivos, mas a superação das metas, com notas de indignação caso não conseguido;

 Esses são alguns exemplos daquilo que rotineiramente faz parte do cotidiano dos bancários, mas há outras exteriorizações comuns nas práticas de assédio moral, por exemplo:

Gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do/a outro/a, estigmatizar os/as adoecidos/as pelo e para o trabalho, colocá-los/as em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele/a que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo do/a subordinado/a, não explicar a causa da perseguição, difamar, ridicularizar. (extraído do site www.assediomoral.org.br, acessado em 24.02.2015)

Cobrar produtividade, estabelecendo metas e outorgando compensações financeiras é normal e faz parte de qualquer empresa, até mesmo as filantrópicas quando bem geridas exigem resultado de seus colaboradores, mas existem limites a serem observados e o principal deles é o respeito ao princípio da dignidade humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, indicado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, onde todos estamos sujeitos à lei.

Quando o empregador pratica, ou permite que pratiquem em seu favor, atos que são enquadrados como “assédio moral”, ele está consequentemente violando a esfera de diversos direitos de seu trabalhador, tais como direito à integridade física e mental, direito à saúde e o direito a um ambiente de trabalho saudável, atraindo para si a obrigação de compensar pecuniariamente os prejuízos morais ou materiais eventualmente causados.

Mas aqui cabe uma crítica, também, ao Poder Judiciário, pois apesar de ser bem divulgado na mídia quando uma instituição financeira é condenada por assédio moral, o que se vê na prática é que os valores arbitrados para a indenização são na maior parte das vezes pífios, o que se torna um estímulo a não-adoção de práticas efetivas de combate ao assédio moral, porque como para os bancos tudo trata-se apenas de lucro, chega-se a à conclusão que “o assédio compensa…” e, por isso, as condenações precisam ter um efetivo caráter pedagógico, para desestimular a reincidência e incentivar o melhor preparo de seus gestores.


[1] SOARES, Lena Rodrigues e VILLELA, Wilza Vieira. O assédio moral na perspectiva de bancários. Publicado na Rev. Bras. Saude ocup, São Paulo, 37, (126): 203-212, 2012.

[2] HIRIGOYEN, M.-F. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

[3] BARRETO, Margarida. O que é assédio moral. Disponível em http://www.assediomoral.org/spip.php?article1; acessado em 24.02.2015; 


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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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