Aposentei pelo INSS e fui “exonerado” do cargo público, isso está certo?

Não, não está. Mas ocorre com muita frequência.

Importante começar pontuando que a Constituição Federal veda o recebimento simultâneo de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo, emprego ou função pública (par. 10, art. 37, CF), salvo algumas exceções expressamente permitidas. Já o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (que é parcialmente copiado em muitos Estados e Municípios), ao regulamentar essa disposição constitucional, estabeleceu que a aposentadoria implica em vacância do cargo (VIII, art. 33, Lei 8.112/90).

Entretanto, a questão não é tão simples. O problema surge quando se trata de um município que não possui regime próprio de previdência (RPPS) e, por isso, seus servidores são vinculados ao regime geral de previdência social (RGPS – INSS). Para se ter uma ideia da quantidade de municípios nessa condição, os números aproximados são: 27 no Mato Grosso do Sul (34% do total); 39 no Mato Grosso (27% do total) e 232 no Paraná (58% do total). No Brasil, são mais de 3.500 municípios sem RPPS (cerca de 62,8% do total).

Os servidores desses municípios sem regime próprio de previdência social (RPPS) são bastante prejudicados em algumas situações, como por exemplo a limitação da aposentadoria ao teto estabelecido pelo INSS (o que pode ser um grande prejuízo, cabendo-lhes ingressar com ação pedindo a complementação); a não paridade com os servidores da ativa, dentre outras.

O que venho tratar aqui é sobre a situação do servidor público vinculado a um município que não possui RPPS e que, consequentemente, pedirá sua aposentadoria junto ao INSS, mas pretende continuar ocupando seu cargo público. Nestes casos, ao descobrir que o servidor teve a aposentadoria concedida pelo INSS, é provável que a Administração Pública busque meios para exonerá-lo.

Em algumas situações, como aconteceu com um grupo do interior do Tocantins que atendi recentemente, os servidores são pressionados a assinar uma carta “pedindo” exoneração sob a ameaça de que, se não o fizerem, serão obrigados a devolver para a administração pública municipal as remunerações recebidas após a aposentadoria. Um verdadeiro absurdo.

Em outro caso, no interior do Mato Grosso do Sul, houve dezenas de servidores exonerados por estarem aposentados pelo INSS, o que se tratava apenas de uma desculpa, pois a verdadeira motivação foi o fato de o prefeito ter “estourado” todos os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e, por isso, achou que essa seria a “grande” solução para seus problemas.

O debate jurídico ocorre porque a Administração Pública só pode fazer aquilo que está previsto em lei (princípio da estrita legalidade), e nesse sentido o parágrafo 10 do artigo 37 da CF diz que: “É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Assim, a própria Constituição Federal impôs um limite para a vedação de percepção simultânea, fixando isso para os casos de aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência (RPPS – art. 40) ou quando envolver os militares dos Estados e do Distrito Federal (art. 42) ou os militares das Forças Armadas (art. 142). É nítido que a CF deixou fora da restrição os servidores aposentados pelo INSS (RGPS). Vale ressaltar que não se trata de uma “falha” da Constituição, pois na verdade não há qualquer motivo para vedar a percepção simultânea nesse caso, uma vez que são fontes pagadoras distintas (município e INSS).

Portanto, os servidores que sofreram semelhante afronta a seu direito, com a declaração de vacância de seu cargo ou mesmo com sua exoneração após passar a receber aposentadoria perante o INSS (RGPS), devem buscar orientação jurídica a respeito, pois além da reintegração ao cargo, ainda possuem o direito de receber todos os valores (remunerações, benefícios etc.) que deixaram de receber no período em que estiveram afastados do serviço público em decorrência da arbitrariedade cometida pelo Administrador Público.


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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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