Redução da Contribuição Previdenciária para Servidores Públicos Aposentados

I – INTRODUÇÃO

A partir da Emenda Constitucional 41 de 19.12.2003 os servidores públicos aposentados passaram a sofrer o desconto da contribuição previdenciária em suas aposentadorias e pensões. O desconto ocorre a partir do valor que ultrapassa o teto do previsto para os benefícios do RGPS, isto é, do INSS. 

Entretanto, a Emenda Constitucional 47 de 2005 significou importante conquista para esses aposentados ao possibilitar que o portador de doença incapacitante sofra a contribuição previdenciária apenas sobre a parcela de sua aposentadoria ou pensão que ultrapassar o dobro do teto previsto para os benefícios do Regime Geral (INSS), com a seguinte redação: 

Constituição Federal de 1988. Artigo 40, parágrafo 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante

O texto é claro em prever o direito sobre “as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão”, de maneira que não existe qualquer fundamento para acreditar que apenas os beneficiários de aposentadoria por invalidez poderiam ter esse direito, muito menos que as pensões (por morte) deveriam ser oriundas de aposentadorias por invalidez. Portanto, o beneficiário de qualquer aposentadoria pode ter esse direito. Parece óbvio, mas é uma dúvida recorrente.

Abordarei em seguida algumas das principais discussões com relação a esse importante direito dos servidores públicos.

II. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS – LEI ESPECÍFICA

Um dos imbróglios que atualmente existe no âmbito federal é por conta da seguinte parte: “quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante”. A pergunta que se faz é: em qual lei estão os critérios para definir a “DOENÇA INCAPACITANTE”? Isso é um problema, porque mesmo já passados muitos anos (por enquanto mais de uma década) ainda não existe essa legislação no âmbito federal. Infelizmente essa inércia é algo frequente no ordenamento jurídico: um determinado direito que depende de uma legislação específica, mas que nunca é concretizada. A aposentadoria especial do servidor público é apenas um exemplo clássico dessa insuportável omissão. 

Por conta dessa inércia do Congresso Nacional, a saída encontrada, e corretamente fundamentada, é que se trata de direito autoaplicável, isto é, que não depende de legislação própria para ser garantido ao beneficiário. Óbvio que os institutos de previdência sustentam a necessidade de lei específica.

Nos tribunais há várias decisões que, diante da inexistência da lei regulamentadora, utilizam outras normas vigentes. Vejamos algumas:

(…) Esta egrégia Corte já analisou a matéria objeto de debate e concluiu que no que diz respeito à imunidade tributária do art. 40, § 21 da Constituição Federal, trata-se de norma constitucional de eficácia plena, consoante se observa pelos seguintes julgados (…). (Proc. nº: 0806020-70.2015.4.05.0000. TRF5).

(…) 9. Quanto à pretendida redução da base de cálculo de incidência de contribuição previdenciária, de que trata o § 21, do art. 40, da Constituição Federal, a jurisprudência tem admitido que, na ausência de lei específica de qualquer das esferas, federal, estadual ou municipal, para dar trato à matéria, visando conferir a melhor interpretação e aplicabilidade à norma constitucional, podem ser adotados critérios estabelecidos em diplomas legais já vigentes. (…) (TRF-3 – APELAÇÃO CÍVEL: AC 6689 SP 0006689-88.2011.4.03.6100).

Então, apesar da ausência de uma lei específica que conceitue “doença incapacitante”, é possível dar efetividade a norma constitucional do parágrafo 21º do artigo 40 em favor dos servidores públicos federais lançando-se mão de outras legislações. Os dispositivos mais utilizados geralmente são o parágrafo primeiro do artigo 186 do Estatuto do Servidor Público Federal e o artigo 151 da Lei 8.213/91, que rege os Benefícios do Regime Geral da Previdência Social, porque ambos tratam de doenças consideradas graves para fins de aposentadoria:

Lei 8.112/90. Artigo 186 – § 1º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada. Lei 8.213/91. Art. 151.  Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.

Apesar de boa parte das decisões reconhecerem a autoaplicabilidade dessa norma e valerem-se dessas legislações, é certo, contudo, que existem casos julgados improcedentes com fundamento na inexistência de lei a regulamentar a questão.

(…) Por fim, no que tange às contribuições previdenciárias, dispõe o § 21 do artigo 40 da Constituição da República que, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante, estas incidirão apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição. Tem-se, contudo, que a lei complementar a que alude o dispositivo constitucional ainda não foi editada, sendo certo que a discussão acerca da auto-aplicabilidade do referido preceito constitucional ainda não foi equacionada pelo Supremo Tribunal Federal, onde se encontra pendente de decisão o RE 630.137/RS, com repercussão geral reconhecida. Inviável, assim, a concessão da redução pretendida pela requerente, máxime em sede administrativa. 5. Recurso Administrativo não provido. (Tribunal Superior do Trabalho TST; PA 0015751-12.2017.5.00.0000; Órgão Especial; Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa; DEJT 10/11/2017; Pág. 245).

Assim, os servidores públicos federais e também aqueles dos entes federados que eventualmente não possuam legislação regulamentando o conceito de “doença incapacitante” podem buscar a redução da contribuição com base na autoaplicabilidade do parágrafo 21 do artigo 40 da Constituição Federal.

III. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS

Para boa parte dos servidores públicos estaduais e municipais a situação costuma ser diferente, porque normalmente a própria lei que regulamenta o regime de previdência municipal ou estadual ao qual é vinculado já traz em seu bojo o conceito de “doença incapacitante”.

Nas leis de alguns Estados e municípios é possível entrar dispositivos com variadas redações, algumas até mais abrangentes que a própria Constituição Federal, já outras apenas repetem o texto.
Estado de Mato Grosso do Sul – Lei Estadual 3.150/05. Artigo 20. Inciso V – o valor dos proventos de aposentadoria, reforma ou reserva remunerada ou da pensão que supere o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, quando o beneficiário for portador de doença grave, contagiosa, incurável ou incapacitante, conforme definido nesta Lei, do segurado inativo ou pensionista.

Artigo 35, § 5º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o parágrafo segundo, as seguintes: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida – Aids; esclerose múltipla, contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada; e hepatopatia. Município de Campo Grande, MS. Lei Complementar Municipal n. 191. Artigo 23, §1º Quando o beneficiário for portador de doença incapacitante, elencada no inciso XIV do art. 6º da Lei Federal n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, a contribuição prevista neste artigo incidirá apenas sobre a parcela de proventos que superar o dobro do limite máximo previsto no caput.

Município de Cascavel, PR. Lei 5.780/2011. Artigo 13. Parágrafo único. Quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante, a contribuição prevista no inciso II incidirá apenas sobre a parcela de proventos de aposentadoria e de pensão que supere o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS.

Estado do Mato Grosso. Lei Complementar Estadual n. 202. Artigo 2º, § 4° – Para efeito do disposto no § 21 do Art. 40 da Constituição Federal, e deste artigo, consideram-se doenças incapacitantes, além daquelas constantes do Art. 6º, inciso XIV da Lei Federal nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, as que impeçam totalmente o desempenho de qualquer atividade laborativa, devidamente reconhecidas pela Perícia Médica Oficial do Estado de Mato Grosso.

Município de Curitiba, PR. Lei Municipal 9.626/99. Art. 27 A – Para os efeitos do art. 27, inciso I, alínea “a”, desta lei, consideram-se como sendo ensejadoras de aposentadoria por invalidez permanente, com proventos integrais, as seguintes doenças ou afecções:

I – tuberculose ativa;
II – hanseníase;
III – alienação mental;
IV – esclerose múltipla;
V – neoplasia maligna;
VI – cegueira, após ingresso no quadro do serviço público municipal;
VII – paralisia irreversível e incapacitante;
VIII – cardiopatia grave;
IX – doença de Parkison;
X – espondiloartrose anquilosante;
XI – nefropatia grave;
XII – estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante);
XIII – síndrome de deficiência imunológica adquirida – AIDS.

(…) Art. 27 B – Para efeito da limitação do desconto da contribuição previdenciária do servidor público municipal aposentado, ou pensionista, prevista no § 21 do Art. 40, da Constituição Federal, serão consideradas como incapacitantes as doenças ou afecções relacionadas nos incisos I a XIII do Art. 27-A, desta lei, com a redação dada pela Lei nº 11.540, de 25 de outubro de 2005, desde que observado o disposto no § 1º, deste artigo.
§ 1º A condição incapacitante das doenças ou afecções relacionadas no art. 27-A deverá ser atestada em laudo médico. (Redação dada pela Lei nº 11983/2006)
§ 2º Integrarão a relação do caput, outras doenças ou afecções que venham a ser contempladas pela legislação federal específica. (Redação acrescida pela Lei nº 11744/2006)

Município de São Paulo. Decreto 46.860/2005 que regulamentou a Lei 13.973/2005. Artigo 4º, parágrafo 1º – A contribuição prevista neste artigo incidirá apenas sobre a parcela de proventos de aposentadoria e de pensões que supere o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, quando o beneficiário, na forma da Lei nº 13.383, de 3 de Julho de 2002, for portador de doença incapacitante. 

Interessante observar, por exemplo, que no Estado do Mato Grosso do Sul o direito é estendido para além dos casos de doenças incapacitantes, mas inclusive quando é moléstia grave, incurável e contagiosa. Já o Estado vizinho, o Mato Grosso, remete expressamente à lei do imposto de renda (Lei Federal 7.713/88) e prevê também no caso de doença que causa a incapacidade total.

Essas peculiaridades servem para mostrar que cada caso deve ser analisado segundo a legislação específica de ente federado ao qual é vinculado o servidor, sem olvidar que podem existir normas próprias para determinadas carreiras.

IV – CONCLUSÃO

Com este singelo texto, espero ter colaborado para difundir entre os servidores públicos aposentados a existência desse importante direito que muitos podem usufruir, mas
geralmente desconhecem.

É importante consultar com um profissional do direito para que avalie se determinada enfermidade pode ser enquadrada em algum dos conceitos previstos nas leis que tratam do assunto e, com isso, conseguir uma importante redução na base de cálculo de sua contribuição previdenciária.


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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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