O Seguro por Invalidez e a Tabela Surpresa

Justamente no momento em que mais estão precisando, diversas pessoas sofrem com abusos praticados por algumas seguradoras e suas famosas “cláusulas surpresas”.

Refiro-me aos obstáculos que essas seguradoras impõem quando o consumidor tenta receber o valor do seguro, após padecer com alguma doença ou sofrer algum acidente.

Diz o ditado popular que “o combinado não sai caro”. Entretanto, nas relações de consumo, o dito deveria ser: “o combinado e explicado não sai caro”. Isso porque para determinadas cláusulas, não basta estarem expressas no contrato, precisam ser explicadas previamente ao consumidor. Ou seja, antes da contratação.

O Código de Defesa do Consumidor (art. 46) garante que os consumidores não ficarão vinculados aos contratos “… se não lhes for dada a oportunidade de tomar prévio conhecimento de seu conteúdo…”.

Essa “cláusula surpresa” é frequente nos seguros por invalidez. Quando o segurado sofre algum tipo de invalidez e tenta receber o seguro, acaba sendo surpreendido com a informação de que o valor da indenização será calculado conforme uma determinada “tabela da Susep”.

O problema é que essa “tabela” nunca é informada e muito menos explicada antes da contratação do seguro. Aliás, nem mesmo depois de assinado o contrato. Geralmente, só se toma conhecimento dela após a ocorrência de algum sinistro que implique em invalidez e então se busque receber da seguradora.

Apesar de não ser algo pacífico no Poder Judiciário, são frequentes decisões que afastam a aplicação dessa tabela e condenam a seguradora a pagar o valor da cobertura da apólice para invalidez.

No mês de abril de 2019, o Superior Tribunal de Justiça julgou favoravelmente ao consumidor um caso envolvendo exatamente essa discussão e o fundamento foi a falta de prévio conhecimento por parte do consumidor acerca da tabela:

“(…) Contrato de Seguro. Pagamento de indenização integral. Falta de comunicação cristalina ao segurado acerca da cláusula limitativa. Dever de informar. Segurado acometido de invalidez funcional permanente e parcial, suficiente para caracterizar o dever de indenizar. (…) não houve prova da ciência cristalina da segurada acerca da referida cláusula limitante (já que consta expressamente no Certificado Individual do Seguro que as condições gerais seriam disponibilizadas pelo estipulante e/ou pela seguradora, a qualquer tempo, por solicitação do segurado), reconhecendo-se, assim, que a seguradora falhou com o dever de informação que lhe era imputado.” (AgInt em Agr em REsp 1.363.601-PR)

Os Tribunais de Justiça de vários Estados costumam ter decisões nesse mesmo sentido, isto é, rejeitando a aplicação de cláusulas que não foram previamente informadas ao consumidor, em desrespeito ao Dever de Informação. Vejamos algumas decisões.

MATO GROSSO DO SUL – “(…) Prevalece o direito do consumidor-segurado à percepção da indenização em decorrência da invalidez permanente por doença laboral porque não lhe foi dado conhecimento do inteiro teor do contrato firmado, especificamente sobre a cláusula que define invalidez total por doença e sobre a que exclui da cobertura as doenças ocupacionais. Pela mesma razão (ausência de informação) não é possível reduzir o valor da indenização segundo o grau de lesão, para os percentuais previstos a tabela da Susep. (…)” (TJMS, Ap. Civ. 0802781-35.2017.8.12.0008. Dt. Julg. 27.02.19)
 
PARANÁ – “(…) Ação de cobrança de seguro de vida – Seguro de vida individual – Invalidez permanente parcial por acidente – Inaplicabilidade dos percentuais previstos em tabela – Ausência de conhecimento prévio do segurado acerca das condições gerais do seguro – Violação do Dever de Informação – Indenização devida em sua integralidade. (…) (TJPR – Proc. 0004332-98.2014.8.16.0001, Dt. Julg. 15.02.19).
 
MATO GROSSO – “(…) Seguro. Acidentes pessoais. Invalidez permanente. Gradação. Tabela Susep. Dever de Informação. Inobservância. Indenização integral. (…) É dever da seguradora informar ao segurado sobre as condições gerais e específicas do seguro, especialmente se restritivas de direito, como a utilização de tabela de gradação da invalidez para fins de cálculo do quantum indenizatório. Descumprido o dever de informação, o segurado faz jus ao recebimento de indenização integral (…)” (N.U 002187-39.2015.8.11.041. Dt. Julg. 11.07.18)
 

As decisões acima deixam evidente que a prática das seguradoras em ocultar determinadas cláusulas (especialmente a tabela usada para reduzir o valor da indenização para o caso de invalidez) é rechaçada pelo Poder Judiciário.

Vale lembrar, novamente, que nos tribunais não existe unanimidade quanto a esse entendimento. Infelizmente, alguns julgadores entendem que a mera possibilidade de o consumidor conseguir descobrir referida tabela já é suficiente para cumprir o dever de prévia informação. Para alguns magistrados, basta que no certificado do seguro conste que a indenização por invalidez será paga “até” determinado valor. Ou seja, uma completa afronta aos direitos dos consumidores.

Mas, por outro lado, nos tribunais felizmente existem muitos magistrados que compreendem a relevância da proteção ao consumidor e buscam dar máxima efetividade aos princípios do Código de Defesa do Consumidor.

Se aconteceu de o consumidor-segurado já ter recebido a indenização da seguradora e ela ter aplicado a referida “tabela Susep”, dentro do prazo de um ano, ainda poderá ingressar com ação judicial pleiteando a diferença do valor.

Portanto, deve-se ficar atento a essas e outras situações nas relações com as seguradoras, porque para nos vender o seguro e receber os prêmios são só facilidades, mas no momento em que precisamos receber a respectiva indenização, parece que “brotam” cláusulas para impor dificuldades.

Conheça o podcast Compartilhando Justiça onde abordo um pouco mais sobre o assunto:

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Sobre o autor

Henrique Lima

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Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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