Direito do Trabalho: Ligações e E-mails durante as Férias?

Na prática da advocacia laboral quando indago aos clientes se gozaram as férias a resposta geralmente é afirmativa. Porém ao ser um pouco mais específico e perguntar se recebiam ligações tanto dos superiores hierárquicos, como também dos eventuais subordinados, para tratar de assuntos do trabalho, a resposta é também frequentemente afirmativa e ainda complementam revelando que os contatos são mais intensos na primeira metade das férias. Os telefonemas geralmente começam com uma hilária introdução: “Olá fulano, não quero atrapalhar suas férias, mas será que você pode me ajudar a resolver a situação do…”. Esses contatos só ocorrem quando há algum problema (nunca para um elogio…) e evidente que atrapalham o sossego das férias. E-mails são trocados, apesar de que em algumas empresas ficam bloqueados. Não raro alguns trabalhadores chegam a “dar uma passadinha rápida” no local de trabalho para ajudar em alguma solicitação, pois no ambiente laboral se difunde que isso demonstra o “comprometimento” com o desenvolvimento do negócio.

Há mais de uma década o professor Jorge Luiz Souto Maior, no clássico texto “Do Direito à Desconexão do Trabalho”, já alertava para o problema de que a “…tecnologia tem escravizado o homem ao trabalho“, que muitos sequer têm tido tempo para tirar férias pois “… ficar muitos dias desligado do trabalho representa, até mesmo, um risco para a manutenção do próprio emprego” e arremata:

Os períodos de repouso são, tipicamente, a expressão do direito à desconexão do trabalho. Por isto, no que se refere a estes períodos, há de se ter em mente que descanso é pausa no trabalho e, portanto, somente será cumprido, devidamente, quando haja a desvinculação plena do trabalho. Fazer refeição ou tirar férias com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa negação plena do descanso.

Até o advento de tecnologias como celulares (com serviços de mensagens instantâneas como whattsapp, facebook, messenger, skype etc), tablets, notebooks e semelhantes meios de comunicação, ou seja, até pouco tempo, o normal é que a ausência física de um trabalhador de seu ambiente laboral já significava sua “desconexão do trabalho”. Entretanto, ao mesmo tempo em que a moderna comunicação instantânea à distância nos traz facilidades como a maior interação com familiares e amigos que não fazem parte de nosso cotidiano, bem como aumenta nossas possibilidades profissionais, por outro lado pode ter embutido algo pernicioso que é a impossibilidade de desfrutar períodos de pleno descanso.

Por conta da maior conscientização acerca dos direitos trabalhistas, da facilitação do acesso à justiça e da possibilidade de denúncias aos órgãos fiscalizadores, atualmente são menos comuns os casos de trabalhadores que simplesmente ficam sem o período de férias, ou seja, aqueles que vivem anos trabalhando ininterruptamente e descansam apenas nos feriados e finais de semana são exceções, principalmente nas grandes corporações. A jurisprudência costuma chamar isso de “férias trabalhadas”, ou seja, os períodos em que apenas no papel houve o período de férias, mas na verdade o trabalhador continuou com suas atividades normalmente.

Por outro lado, no que diz respeito à férias, o desafio atual é o de averiguar não apenas o formal, mas o real cumprimento do inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal que prevê como Direito Social do trabalhador o “gozo de férias anuais remuneradas…“, bem como do caput do artigo 129 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que garante que “todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias…“. Juridicamente, gozo tem significado de “desfrutar, fruir; ex.: entre os atributos da propriedade está o direito de gozar da coisa própria” (Humberto Piragibe Magalhães e Christovão Piragibe Tostes Malta. Dicionário Jurídico. Volume I. Edições Trabalhistas S/A. pag. 394). Esse direito não é novidade e, pelo contrário, ao lado da remuneração, talvez seja um dos mais desejados numa relação de emprego.

Segundo a doutora Vólia Bonfim Cassar, em sua obra “Direito do Trabalho” (9ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: 2014. MÉTODO. pag. 732), as férias possuem fundamentos fisiológicos (reposição das energias); econômico (a produtividade do empregado aumenta após as férias); psicológico (ajuda no equilíbrio mental do trabalhador); cultural; político e social. Aponta ainda que a finalidade desse período anual de descanso é:

“… eliminar as toxinas originadas pela fadiga e que não foram liberadas com os repousos semanais e descansos entre e intrajornadas. O trabalho contínuo, dia após dia, gera grande desgaste físico e intelectual, acumulando preocupações, obrigações e outros fenômenos psicológicos e biológicos adquiridos em virtude dos problemas funcionais do cotidiano”.

Então surge o questionamento: receber, durante as férias, telefonemas, e-mails ou mensagens eletrônicas dos colegas de trabalho, sejam eles chefes, subordinados ou pares para tratar de assuntos ligados ao labor configura ofensa ao direito de gozo das férias? Dar uma “passadinha” no trabalho para resolver algo ou participar de um “reunião rápida” também significa afronta a esse direito fundamental? Minha resposta é afirmativa para ambos os casos, entendendo que essas situações devem ser tratadas tais como aquelas das “férias trabalhadas”, com pagamento dobrado, inclusive com o adicional do terço constitucional, a teor do que dispõe o artigo 137 da CLT.

Poderia o empregador argumentar que seria normal o empregado ser acionado durante as férias porque haveria situações no trabalho que demandariam alguma informação que apenas o mesmo possui. Entretanto, essa é uma situação que seria facilmente resolvida com alguma dose de organização. Os bancos, por exemplo, são hábeis em cobrar metas. Mês a mês começam campanhas de vendas de produtos e seus empregados são bombardeados com várias formas de cobrança, de e-mails a áudio-conferências (nos casos dos gerentes gerais de agências) em que são submetidos até a esdrúxulas chamadas a fim de atestar que todos estejam ouvindo. O objetivo de tudo isso é, certamente, o lucro. Então, se esses empregadores realmente quisessem, poderiam dedicar um pouco de sua expertise e esforço para orientar, com antecedência, seus trabalhadores acerca de ferramentas para organizar suas férias, compartilhando com algum ou alguns colegas suas atribuições e ainda poderiam dispor de empregados substitutos (“backups”) a fim evitar que durante as férias sejam os trabalhadores importunados com situações do trabalho. O custo disso, diante dos lucros multibilionários dos bancos, seria irrisório. Basta que tenham algum estímulo para isso e esse geralmente surge quando se ataca aquilo que esses empregadores mais amam: o lucro. Por isso, a condenação ao pagamento em dobro das férias, como veremos adiante, é de grande valor disciplinador.

Os tribunais já possuem manifestações favoráveis ao trabalhador. Em regra, revelam as decisões que cabe ao empregador demonstrar que houve a concessão de férias, por meio do “aviso de férias” e dos cartões de ponto, já a contraprova no sentido de que existiu trabalho no período é do trabalhador. Para isso, o mais comum é valer-se de documentos como e-mails, mas que, por cautela, devem ser corroborados pela prova oral, tanto pelos depoimentos das partes como pelas testemunhas. Vejamos alguns casos:

CASO 01 – TRT DO RIO GRANDE DO SUL

(…) 5. FÉRIAS

O reclamante alega que trabalhou durante o período destinado ao gozo das férias e produziu prova documental de tal alegação. Refere, por amostragem, o labor nos dias 22, 23, 24.01 e 06.02.2014 (ID a123a50), em que pese estivesse formalmente em férias de 20.01.2014 a 08.02.2014 (ID 2c87f54). Requer o pagamento dos dias de férias não gozados, em cada ano de trabalho, a serem pagos em dobro e com acréscimo de 1/3, tendo por base de cálculo a remuneração total do reclamante.

Examino.

O julgador de origem indeferiu o pedido sob os seguintes argumentos:

“Indefere-se o pleito contido no item k da petição inicial, de pagamento dos dias de férias não gozados, por se entender que as mensagens eletrônicas juntadas pelo reclamante identificadas por “Prova de trabalho durante as férias” não são meio de prova apto a demonstrar a ocorrência de trabalho nas datas e horários indicados no cabeçalho das mensagens, e, especialmente, por inexistirem elementos nos autos que autorizem a presumir que o reclamante esteve laborando por ordens da empregadora durante o período de gozo de suas férias.”

Contudo, consoante acima referido, diversamente do magistrado de primeiro grau, considero válidos como meio de prova os documentos juntados pelo reclamante, que se presumem verdadeiros.

Dito isso, registro que, conforme recibo de férias de ID 9e31784, o reclamante gozou das férias do período aquisitivo de 2013/2014 de 20/01/2014 a 08/02/2014. Todavia, os e-mails juntados pelo recorrente no ID a123a50 sob o título “Prova de trabalho durante as férias” comprovam que o reclamante prestou labor nos dias 22, 23 e 24 de janeiro de 2014 e no dia 06 de fevereiro de 2014, durante o decurso das suas férias.

O trabalho em dia destinado às férias, ainda que realizado por período exíguo de tempo, na hipótese dos autos, correspondente ao envio dos referidos e-mails, desnatura o instituto das férias, cuja finalidade reside, justamente, na possibilidade de total afastamento do empregado para descanso, recomposição da integridade física e psíquica e desconexão do trabalho. Diante disso, os dias trabalhados durante as férias consideram-se não concedidos, motivo pelo qual devem ser remunerados em dobro, consoante art. 137 da CLT.

Pelo exposto, dou provimento ao apelo para condenar a reclamada ao pagamento em dobro dos dias de férias não gozados (22, 23, 24/01/2014 e 06/02/2014), acrescidos do terço constitucional. (PROCESSO nº 0021152-51.2014.5.04.0334)

Note-se que apesar de reconhecer ofensa ao instituto das férias, o Tribunal não determinou o pagamento integral do período, mas apenas dos dias em que os e-mails revelaram o trabalho. Podemos extrair a lição de que trabalho em dia destinado às férias, ainda que realizado por período exíguo de tempo, na hipótese dos autos, correspondente ao envio dos referidos e-mails, desnatura o instituto das férias” e por isso o empregado deve ser novamente remunerado.

CASO 02 – TRT DE SÃO PAULO

(…) 2. Férias. Ônus da prova. Considerando que os e-mails demonstram que o autor distribuía o trabalho e tomava providencias em nome da reclamada durante a fruição de suas férias, entendeu que o empregador não contava com substituto, deixando de fornecer condições para que o autor se desvinculasse das suas atribuições e que demonstrado o labor durante as férias estas não foram gozadas e ensejam pagamento em dobro. Aduz a reclamada que carreou os avisos de férias e que o obreiro não logrou se desincumbir da prova pela não fruição do descanso nas férias 2009/2010, 2010/2011 e 2011/2012. Alternativamente, afirma que incontrovertido o pagamento simples das férias e que a condenação deveria ser reduzida ao pagamento simples dos valores e não em dobro. A prova das férias, que pressupõe sua fruição, é documental e fica a cargo do empregador que se desincumbe com a apresentação do aviso de férias, nos termos do artigo 135 da CLT. Todavia, à luz da primazia da realidade, sempre será admitida a contraprova do empregado que deverá demonstrar o trabalho clandestino no período anotado como de fricção de descanso por qualquer meio legítimo em direito admitido. No caso em apreço, ainda que a empregadora tenha juntado os recibos de férias (docs. 07/10 do vol. apartado), os e-mails apresentados pelo autor (docs. 04/14) não deixam dúvidas que o autor recebia comunicados profissionais e era instado a prestar informações ou trabalho remoto durante seu período de descanso. Assim, provado o quadro fático, ou seja, o trabalho clandestino no período destacado nos recibos como férias, tem-se que os documentos que confirmavam a fruição das férias são nulos por força do artigo 9º da CLT. Por corolário, as férias não foram concedidas e atraem a aplicação do artigo 137 da CLT que garante o pagamento em dobro. Quanto ao pagamento realizado, exceto quanto ao terço constitucional, os importes percebidos servem para quitação do labor realizado quando deveria ter havido descanso e, portanto, não compensam o pagamento em dobro das férias. Outrossim, mantém-se a condenação ao pagamento em dobro das férias de 2009/2010, 2010/2011 e 2011/2012, autorizando, todavia, a compensação da gratificação constitucional quitada nos recibos jungidos aos autos. (…) (PROCESSO TRT/SP nº 0002747-47.2013.5.02.0078)

Nesse caso a condenação foi no sentido do pagamento em dobro das férias, ou seja, pagar novamente, inclusive com o terço constitucional. O ônus da prova foi distribuído pelo Tribunal, preservando a possibilidade de aferição da verdade real a fim de confrontar a fruição apenas formal das férias.

CASO 03 – TRT DE MINAS GERAIS

(…) SENTENÇA

7 – Das Férias Trabalhadas

O autor afirmou que não gozou 20 dias de férias no período de 15/09/2012 a 04/10/2012, conforme e-mails anexos que comprovariam o labor neste período. A 1ª ré alegou que os e-mails juntados dizem respeito a período diverso do período de férias e que eventuais dias laborados foram compensados conforme combinado entre as partes no período de 24/12/2012 a 03/01/2013. Em sede de impugnação à contestação, o autor apontou que no período de 24/12/2012 a 03/01/2013, a 1ª reclamada já concede a folga a todos os funcionários, por isso não teria havido qualquer compensação. O recibo de férias (Id 1914489) evidencia que o período de 15/09/2012 a 04/10/2012 foi gozado pelo autor, porém nos e-mails anexados aos autos (Id’s 1914427, 1914434, 1914438, 1914447, 1914453, 1914462, 1914468, 1914474, 1914477) verifica-se que houve labordurante os dias 17/09/2012, 18/09/2012, 19/09/2012, 20/09/2012, 21/09/2012, 24/09/2012, 02/10/2012, 03/10/2012 e 04/10/2012, totalizando 9 dias trabalhados durante as férias. Ainda que tenha havido pactuação entre as partes para a compensação de férias, não há previsão legal neste sentido, sendo permitido, apenas a conversão de parte das férias em abono, conforme art. 142, CLT. Assim, condena-se as ré ao pagamento, em dobro, de 9 dias de férias, conforme artigo 137, CLT.

O reclamante recorreu dessa decisão, pleiteando o recebimento de todas as férias em dobro e não apenas dos dias trabalhados, mas o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais manteve a sentença nos seguintes termos:

ACÓRDÃO

(…) FÉRIAS TRABALHADAS

Não se conforma o reclamante com o comando sentencial, que indeferiu o pedido de pagamento em dobro de 20 dias de férias, que teriam sido trabalhadas no período de 15/09/2012 a 04/10/2012.

A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido do reclamante, para condenar a reclamada ao pagamento de 9 dias trabalhados, período em que o reclamante comprovou por meio documental, que trabalhou em favor da ré.

De fato, a reclamada juntou recibo de férias por meio do id 1914489, em que constou o gozo de 20 dias no período alegado na inicial, transferindo-se ao reclamante o ônus de comprovar que trabalhou em tais dias.

Todavia, as únicas vezes em que o reclamante se ativou em prol da ré, foram os dias 17/09/2012, 18/09/2012, 19/09/2012, 20/09/2012, 21/09/2012, 24/09/2012, 02/10/2012, 03/10/2012 e 04/10/2012, conforme fazem prova nos autos os emails colacionados por meio dos id’s 1914427, 1914434, 1914438, 1914447, 1914453, 1914462, 1914468, 1914474, 1914477.

Dessa forma, tendo em vista a prova documental carreada aos autos, nego provimento ao apelo autoral.

Observemos que o tribunal manteve o entendimento que a folga outorgada a todos os funcionários no final do ano (de 24.12 a 03.01) não serve para compensar os dias trabalhados durante as férias, vez que a legislação não possibilita essa interpretação, mesmo diante de pactuação entre as partes, pois é prejudicial ao trabalhador, especialmente a sua saúde.

CASO 04 – TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Interessante observar que existe uma celeuma com relação à consequência jurídica quando verificado o não cumprimento integral do interregno destinado para o descanso anual, havendo tribunais que condenam a empregadora ao pagamento apenas dos dias efetivamente trabalhados das férias e outros que consideram uma violação da finalidade do instituto jurídico e determinam o pagamento em dobro de todo o período.

Diante disso, o TST foi instado a se manifestar e o fez da forma que abaixo descreveremos e que, em seguida, faremos algumas observações.

PROCESSO Nº TST-RR-818-82.2012.5.06.0019

(…)

4. LABOR EM FÉRIAS. PAGAMENTO EM DOBRO

CONHECIMENTO

A revista tem trânsito garantido por violação aos arts. 129 e 130 da CLT.

Conhece-se do recurso de revista.

MÉRITO

O Tribunal Regional indeferiu o pedido de pagamento das férias decorrentes da não fruição do período integral para descanso, consignando (fls. 410/412):

Postula a reclamante o pagamento das férias sob o argumento de que restou comprovado seu comparecimento no final do mês para fechamento da folha, bem como o contato diário por telefone durante o período de descanso.

À análise.

A alegação obreira – de que comparecia no final do mês para fechamento da folha e era contactada diariamente por telefone durante o período de descanso – restou corroborada pelo depoimento de sua testemunha, senão vejamos:

“a reclamante, em suas férias, devia comparecer na empresa para fazer o fechamento de folha ao final do mês, e também atendia solicitações por telefone; que ela depoente ligava diariamente para a reclamante no período de férias da mesma; que ela depoente era assistente da reclamante” (fls. 117).

Pois bem.

Quanto ao depoimento da testemunha patronal, no particular, considero-o a pouco ou nada convincente, porquanto não ressoa razoável que “nas férias do supervisor, o GERENTE GERAL absorve suas atividades, não sendo necessário o supervisor comparecer na empresa, o que só atesta a ausência de substituto, cabendo mencionar que a depoente ainda trabalha na empresa e lá ocupa cargo de confiança.“.

Conforme preleção de Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho, 5- ed., pág. 950, as férias “definem-se como o lapso temporal remunerado, de freqüência anual, constituído de diversos dias seqüenciais em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e de sua inserção familiar, comunitária e política.

Ora, não há como negar que ser consultada freqüentemente acerca da rotina de trabalho por telefone e ainda dirigir-se uma vez ao estabelecimento para executar tarefa complexa descaracteriza a natureza de INTERRUPÇÃO contratual das férias.

Ressalte-se que tal instituto contempla obrigação empresarial de não fazer consistente na omissão do empregador de requisitar qualquer serviço ao obreiro no período.

Destaque-se, ainda, que se trata de norma afeta à saúde do trabalhador, donde imperiosa a firme represália à sua inobservância.

In casu, é possível vislumbrar a impossibilidade, pela reclamante, de “desligar-se” do labor, de modo a sentir-se efetivamente de folga, livre para o lazer e o descanso, comprometendo a recuperação das energias físicas e mentais.

Nesse diapasão, oportuno trazer à baila trecho de artigo do Jorge Luiz Souto Maior acerca do direito à desconexão do trabalho, cujo titular, afirma o ilustre jurista, não é só quem trabalha, mas, igualmente, a própria sociedade, aquele que não consegue trabalho, porque outro trabalha excessivamente, e os que dependem da presença humana do que lhes abandonam na fuga ao trabalho (disponível em http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artiaos.php. acesso em 06/02/2014):

“Os períodos de repouso são, tipicamente, a expressão do direito à desconexão do trabalho. Por isto, no que se refere a estes períodos, há de se ter em mente que descanso é pausa no trabalho e, portanto, somente será cumprido, devidamente, quando haja a desvinculação plena do trabalho. Fazer refeição ou tirar férias Com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob a ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa a negação plena do descanso.”

Logo, forçoso concluir pela mitigação das férias no caso em testilha.

O cerne da questão, porém, reside na conseqüência jurídica desse fato.

Tenho que a hipótese comporta aplicação analógica do entendimento esposado para a concessão parcial do intervalo intrajornada no sentido de que eqüivale à não concessão, ensejando a punição respectiva.

Reza a Súmula n. 437 do C.TST que a concessão parcial do intervalo intrajornada implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da cit), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.

Assim, sou pela condenação da reclamada ao pagamento das férias em dobe dos períodos imprescrito, tendo a remuneração paga na época quitado o mês do efetivo trabalho.

Todavia, esta Egrégia Turma entende que, não havendo labor efetivo, na jornada de trabalho regular, ao longo de todo período de férias, estas foram devidamente usufruídas, donde incabível seu pagamento.

Destarte, curvo-me ao referido entendimento.

Logo, apelo improvido, no particular.

A reclamante aponta violação aos arts. 129 e 130 da CLT, sob o argumento de que jamais usufruiu integralmente o período de férias porquanto sempre comparecia à empresa para fechamento da folha como também mantinha contato diário por telefone.

Consta do acórdão que a reclamante, nas suas férias, era consultada frequentemente acerca da rotina de trabalho por telefone e ainda dirigia-se uma vez ao estabelecimento para fechamento da folha.

A Turma entendeu incabível o pagamento em dobro das férias, por não ter havido labor efetivo na jornada de trabalho regular, ao longo de todo o período de férias.

Portanto, incontroverso que a reclamante prestou serviços durante algumas horas/dias do seu período de descanso.

Pois bem.

É certo que todo empregado tem direito ao gozo de um período de férias, após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho (arts. 129 e 130 da CLT), por constituírem medidas de higiene e saúde, consagradas constitucionalmente (art. 7º, XVII, da CF).

Em caso de não gozo, tem-se pelo pagamento em dobro das férias, consoante preconiza o art. 137 da CLT, pois o legislador ao instituir tal penalidade, deixou claro que o instituto tem por finalidade estimular o descanso remunerado do empregado, com a reposição da vitalidade física e mental para uma nova jornada de trabalho.

Assim, na hipótese de prestação de labor durante o gozo das férias a que o trabalhador tem direito, intercalando o descanso e o trabalho, torna-se irregular a sua concessão, por desvirtuar a finalidade do instituto, o que evidencia a circunstância de férias não concedidas em tempo hábil, atraindo a penalidade do art.137 da CLT.

Nesse sentido os seguintes precedentes:

RECURSO DE REVISTA – FÉRIAS TRABALHADAS – PAGAMENTO EM DOBRO. O Eg. Tribunal Regional consignou que a Reclamante trabalhou no período em que deveria estar em gozo das férias, motivo por que lhe é devido o pagamento em dobro, nos termos do artigo 137 da CLT (RR – 1451-62.2012.5.04.0403, Relator Ministro João Pedro Silvestrin, j. 22/10/2014, 8ª Turma, DEJT 24/10/2014).

[…] FÉRIAS PAGAS E NÃO USUFRUÍDAS. PAGAMENTO EM DOBRO. As férias constituem direito e medida de segurança, saúde e higiene conferidas ao empregado, por isso o empregador é obrigado a concedê-las ao seu empregado no prazo e nas condições fixadas na lei. Assim, o trabalho durante o período destinado às férias equivale a não concessão das férias, dando ensejo ao pagamento em dobro, nos termos do art. 137 da CLT, exceto quanto ao período de 1/3 porventura convertido em abono pecuniário, nos estritos termos do art. 143 da CLT. Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento (RR – 6500-61.2009.5.02.0301, Relator Ministro João batista Brito Pereira, j. 9/11/2011, 5ª Turma, DEJT 18/11/2011 ).

RECURSO DE REVISTA. 1. FÉRIAS. NÃO FRUIÇÃO. PAGAMENTO EM DOBRO. O Regional registrou que o obreiro trabalhou no período no qual deveria gozar de férias. Assim, mesmo que o reclamante tenha recebido a remuneração mensal normal, faz ele jus às férias não gozadas, de forma dobrada, sem que isso implique bis in idem (RR – 171100-78.2009.5.09.0245, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 17/12/2010).

Assim, confere-se provimento ao recurso de revista para condenar a reclamada no pagamento em dobro dos períodos de férias descritos na inicial.

Recurso de revista provido.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar o processamento do recurso de revista por possível violação aos arts. 129 e 130 da CLT quanto ao tema “férias”. Por unanimidade, não conhecer do recurso de revista quanto aos temas “remuneração”, “inaplicabilidade da Súmula nº 340/TST” e “diferenças salariais por equiparação salarial”, conhecer do recurso de revista por violação aos arts. 129 e 130 da CLT quanto ao tema “férias” e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar a reclamada no pagamento em dobro dos períodos de férias descritos na inicial. Mantém-se o valor arbitrado à condenação.

Brasília, 29 de Abril de 2015.

Alguns pontos dessa decisão chamam a atenção.

a) as testemunhas serviram como prova de que a reclamante “…era consultada frequentemente acerca da rotina de trabalho…” e uma vez, ou seja, um dia das férias, precisava comparecer à empresa para realizar o fechamento da folha de pagamento. Diante disso, o TST considera “…incontroverso que a reclamante prestou serviços durante algumas horas/dias do seu período de descanso.“;

b) o relator do acórdão recorrido (de segunda instância) considera que a essa situação é cabível analogicamente o entendimento aplicável ao gozo parcial do intervalo intrajornada, cuja Súmula 437 do TST estabelece que “…a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido…“. Ou seja, a lei garante pelo menos uma hora para o popular “intervalo para refeição”, então ainda que haja desrespeito a, por exemplo, quinze minutos, o empregado terá direito de receber como hora extraordinária não apenas a diferença que não usufruiu, mas receberá a hora completa, porque, entre outros motivos, trata-se de questão de saúde do trabalhador. O mesmo raciocínio é facilmente aplicável às férias e

c) intercalar descanso com labor torna irregular a concessão das férias pois desvirtua a finalidade do instituto, que é “…estimular o descanso remunerado do empregado, com a reposição da vitalidade física e mental para uma nova jornada de trabalho…”, assemelhando a situação a das férias não concedidas em tempo hábil, o que atrai a pena do pagamento dobrado prevista no artigo 137 da CLT.

CONCLUSÃO

Exigir do empregado a realização de quaisquer tipos de trabalho durante os períodos destinados às férias, ainda que por meio de telefonemas, e-mails, “pequenas” reuniões etc., é considerado uma afronta ao objetivo desse instituto, pois atrapalha a efetiva restauração das energias físicas e mentais, e, por isso, pode ser considerado como férias não usufruídas pelos Tribunais Trabalhistas, especialmente pelo Tribunal Superior do Trabalho, o qual possui entendimento que a penalidade cabível é a do artigo 137 da CLT, isto é, o pagamento, novamente, das férias acrescidas do terço constitucional, pois os valores pagos anteriormente pela “pseudo-férias” serviu apenas para remunerar o trabalho realizado à época.

Entretanto, é importante que todos estejam atentos ao fato de que a apresentação do “aviso de férias” pelo empregador implica na presunção fruição da mesma, transferindo ao empregado o encargo de demonstrar que não desfrutou correamente do período de descanso anual. É uma prova que pode ser feita por meio de e-mails, mensagens telefônicas e/ou eletrônicas, e, como é mais comum, por testemunhas.

Enfim, o direito ao descanso anual remunerado, com a efetiva desvinculação dos assuntos pertinentes ao trabalho é uma conquista social de extrema importância e não pode ser menosprezado por empregados, empregadores, magistrados e advogados, os quais devem unir esforços a fim de tornar efetiva a concretização dessa garantia fundamental.

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Sobre o autor

Henrique Lima

Sobre o autor

Henrique Lima

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família.

É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados (www.limaepegolo.com.br) que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.

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